O grifo solitário

Por PEDRO PAULO REZENDE

No desfile de Sete de Setembro, apenas um dos seis caças Saab F-39E Gripen da Força Aérea Brasileira conseguiu se apresentar. Os outros apresentavam falhas mecânicas ou aguardavam peças de reposição na Base Aérea de Anápolis. O que é mantido debaixo de grande sigilo é que a presença solitária do avião de fabricação sueca na data nacional só aconteceu graças a um esforço extra das tripulações de terra. Entre os problemas apresentados nos aparelhos já entregues encontram-se superaquecimento de equipamentos eletrônicos fundamentais, incluindo radares, devido ao clima do Planalto Central do Brasil.

Desde o Sete de Setembro, um F-39E, com danos pequenos ocasionados em uma rotina de manutenção, retornou às operações. O fato é que o cronograma de desenvolvimento do avião será mais longo que o esperado, o que preocupa o Comando da Aeronáutica que apostou todas as suas fichas no programa, que inclui a compra de 40 aparelhos, e pretende operar o modelo durante 50 anos.

Pressa injustificável

A Força Aérea Brasileira homologou a capacidade operacional inicial (initial operating capability — IOC, na sigla em inglês) do F-39E Gripen em 19 de dezembro de 2022. O ex-comandante da Aeronáutica, tenente-brigadeiro do ar Carlos Baptista Jr., foi determinante na decisão, prematura por sinal. O país recebera, na ocasião, apenas três aviões e nenhum deles estava apto para combater. Seu objetivo era forçar a aquisição de um segundo lote de 24 caças suecos até o fim do mandato de Jair Bolsonaro na Presidência da República. Para isto, reduziu a encomenda original de 29 aviões de transporte EMBRAER KC-390, o segundo maior projeto da Base Industrial de Defesa do Brasil (atrás apenas do PROSUB da Marinha) para apenas 12 aparelhos. A fabricante brasileira ameaçou entrar na Justiça e a negociação final determinou a aquisição de 19 equipamentos.

A redução da encomenda dos KC-390 para apenas 12 unidades, parcialmente revertida, foi um golpe na campanha de lançamento do avião no mercado internacional, colocando dúvidas na continuidade do programa. A qualidade do produto e a habilidade dos departamentos jurídico e de marketing da EMBRAER conseguiram reverter a expectativa negativa. Hoje, o produto é considerado favorito para o Programa MRTT da Força Aérea indiana, com um mercado potencial superior a 80 unidades.

O Gripen E na Suécia

O Gripen E é visto na Suécia como um protótipo e, nesta condição, é operado por pilotos de prova da Saab e militares adjuntos à Administração de Material de Defesa (FMV). O cronograma prevê a concessão do IOC em 2025, mesmo assim limitado a combates aéreos e interceptação. O país detém mais de 60 unidades do Gripen C/D plenamente operacionais e pretende operar parte da frota ao lado do Gripen E até, no mínimo, 2040.

Apesar de parecidos, há menos de 10% de partes comuns entre as versões originais e o Gripen E. Na semana passada, a Saab e a FMV firmaram um acordo relativo a novos recursos e cronogramas de entrega revisados para o Gripen E e o Gripen C/D. Os modelos mais antigos (e plenamente operacionais) receberão aperfeiçoamentos nos radares e sistemas de combate. Uma das melhorias a serem incluídas na frota antiga poderá ser um sensor infravermelho de busca e acompanhamento (IRST, sigla em inglês de infrared search and track).

O comunicado teve um efeito colateral: jornalistas brasileiros chegaram a afirmar que o a Suécia abandonaria o Gripen E e poderia aderir a um caça de quinta geração, o Lockheed-Martin F-35A Lightning II. Em teoria, segundo eles, esta troca permitiria uma maior integração com as frotas do restante da Organização do Tratado do Atlântico Norte (OTAN), uma vez que a Suécia pediu sua adesão ao bloco em 2021. Em verdade, todas as versões do Gripen já são integradas à Aliança Atlântica e empregam o Link 16 desde 2002 (leia mais aqui). O contrato firmado pela FMV e a Saab para desenvolver e fabricar 60 unidades do Gripen E continua em vigor.

Debate acirrado

As dúvidas sobre o Programa Gripen E se acirraram depois que a Força Aérea da Chéquia divulgou um comunicado onde garantia que o custo de aquisição do caça sueco era maior que o do caça furtivo F-35A Lightning II norte-americano. Com o total de encomendas atuais isto é verdadeiro. O preço unitário do avião que o Brasil escolheu está acima de US$ 90 milhões, contra US$ 80 milhões do modelo estadunidense. Ainda há um diferencial: o trabalho de integração de armas, que está pronto em todos os concorrentes disponíveis no mercado ocidental, ainda precisa ser feito pela Saab. Isto é crítico para a Força Aérea Brasileira. Até 2025, todos os A-1 (AMX) e os F-5EM Tiger serão desativados e o país perderá a capacidade de ataque ao solo. Na Suécia, esta missão será entregue aos modelos Gripen C/D.

Em termos de hora/voo, esta relação se inverte. Em viagem à Europa confirmei com um dos fornecedores que este valor estaria em US$ 20 mil, US$ 5 mil a menos que a do F-16 Block 70 e US$ 15 mil a menos que o F-35A. A diferença de custo é compensada pela maior musculatura dos competidores já consolidados no mercado, o que explicaria o insucesso da Saab nas concorrências internacionais. Diante deste impasse, em entrevista ao portal Breaking Defence, o CEO da Saab, Micael Johansson, destacou a necessidade da FMV investir em um produto de nova geração (5ª ou 6ª) “para agregar novas tecnologias ao Gripen E”.

É interessante observar que, em 2010, o então CEO da empresa, Åke Svensson, foi obrigado a renunciar por defender o desenvolvimento de um projeto furtivo, batizado de Gripen 2020. A junta diretora, comandada por Markus Wallemberg, acatou recomendação dos representantes dos engenheiros no conselho da empresa e preferiu dar continuidade aos programas já consolidados. Coube a Håkan Buskhe enxugar o portfólio da Saab. O que começou com uma modernização de baixo custo do Gripen C/D terminou com um projeto completamente novo e de risco relativamente alto.

Um novo nicho

Hoje, a grande aposta da Saab é a parceria com a Boeing para a fabricação de 350 unidades do avião T-7A Red Hawk. Os repórteres que cobriam a feira LAAD Defense & Security foram convocados para uma coletiva surpresa no estande da empresa sueca. Ao chegarem, ficaram surpresos ao verificar que a apresentação seria comandada por um executivo da empresa americana, que não estava presente oficialmente no evento.

A relação entre os governos do Brasil e da Suécia, neste quadro, pode ser classificada como “levemente tensa”. A turma do Itamaraty insiste, à revelia de parte da Força Aérea Brasileira, que, antes de se discutir um segundo lote de 24 caças Gripen E, a Força Aérea da Suécia deveria se comprometer com a aquisição de KC-390 brasileiros dentro de um acordo operacional firmado entre a EMBRAER e a Saab na LAAD.

Há um boato (bem fundamentado) que no encontro entre as duas delegações à margem da sessão plenária da Cúpula CELAC-União Europeia os suecos apresentaram um documento que apontava os riscos de se adotar o produto da EMBRAER, um avião ainda não consolidado no mercado. Os brasileiros, reconhecidos pela sua habilidade e senso de humor, copiaram o memorando com uma simples mudança: onde estava KC-390 colocaram Gripen E. No dia seguinte, o presidente Luiz Inácio Lula da Silva se reuniu com o primeiro-ministro do Reino da Suécia, Ulf Kristersson, onde a parte brasileira apontou para a necessidade de uma contrapartida maior para garantir a parceria.

No Comando da Aeronáutica já se estudam alternativas ao segundo lote. Os candidatos seriam mais simples e baratos e já consolidados no mercado, mas tudo depende da avaliação dos aviões entregues em Anápolis. O Brasil tem um compromisso sério com 40 unidades do Gripen E, da mesma maneira que a Suécia já definiu seu requerimento para 60 caças. A conversa subiu de nível e de tom e esta mudança será benéfica ao Brasil.

(Foto: SAAB)