Observadores independentes, garantia de eleições limpas

Por PEDRO PAULO REZENDE

A disputa presidencial dos Estados Unidos de 2000, com a vitória de George W. Bush, do Partido Republicano, sobre Al Gore, do Partido Democrata, é o melhor exemplo da necessidade de se acompanhar de maneira independente o processo eleitoral. Sem dúvida nenhuma, merece o título de a mais fraudada da história ao lado de pleitos em ditaduras africanas. O sistema eleitoral norte-americano não possui uma justiça independente, como no Brasil. Cada unidade da Federação estabelece suas próprias regras a partir de uma comissão escolhida pelo governador.

Para piorar a situação, o país adota um modelo de escolha indireto. Cada unidade da Federação detém um número de delegados no Colégio Eleitoral. Cada delegação coloca todos os seus votos no candidato presidencial que venceu a disputa no estado. Nem sempre quem tem a maioria na dos votos nacionais ganha. Em 2016, o empresário Donald Trump, candidato republicano, com 62.984.828 eleitores, perdeu no processo popular para a democrata Hillary Clinton, que conseguiu 65.853.514. No entanto, obteve 304 dos 528 delegados do Colégio Eleitoral.

Foi o que aconteceu em 2000, quando o candidato democrata, Al Gore, perdeu os assentos destinados à Flórida em condições extremamente suspeitas. O governador do estado, Jeb Bush, era irmão do concorrente republicano, George W. Bush, governador do Texas. Ele destinou as piores máquinas de votação para os distritos dominados por democratas. Concebidas na década de 1960, elas empregavam um sistema de perfuração de cartões inventado em 1860 por Herman Hollerith, fundador da IBM. Desgastadas pelo tempo, elas eram incapazes de furar as cartolinas usadas nas cédulas.

As fraudes não pararam por aí: houve desaparecimento de urnas. Na época, eu trabalhava na Editoria de Mundo do Correio Braziliense e acompanhei o processo por meio das agências internacionais. Um repórter da Associated Press chegou a fotografar uma caminhonete com mais de cem sacos cheios de votos que não foram contabilizados.

Com estes artifícios, claro que George W. Bush venceu. Apesar de todas as irregularidades, a diferença entre os dois candidatos era pequena. Em lugar de aceitar a derrota Al Gore resolveu desafiar o sistema e pediu a recontagem dos votos. A questão foi decidida nos tribunais e a recontagem parou quando a diferença entre os candidatos caíra para apenas 200 votos.

O resto é história: a passagem de George W. Bush de oito anos (dois mandatos) na Casa Branca foi marcada por acontecimentos dramáticos. Em 11 de setembro de 2001, três aviões civis sequestrados por extremistas contratados pela organização terrorista Al Qaeda atacaram as Torres Gêmeas do World Trade Center, em Nova York, e o Pentágono, sede do Departamento de Defesa dos Estados Unidos, em Washington, causando 2996 mortes. Foi a justificativa para as invasões do Afeganistão e do Iraque, que resultaram na morte de mais de 500 mil civis.

No segundo mandato, em 2008, uma das maiores crises financeiras arrasou o mercado imobiliário norte-americano. A economia global entrou em um processo recessivo e milhões de estadunidenses perderam suas moradias. O despreparo do presidente dos Estados Unidos ficou claro.

Em 1992, eu ocupava o caro de chefe de gabinete do deputado Maurílio Ferreira Lima. Ele teve a oportunidade de conhecer Al Gore, na época senador, em uma visita a Washington e voltou extremamente impressionado com o político americano. Classificou-o como um homem extremamente culto que já se preocupava com o aquecimento global. O encontro, privado, foi em um jantar na casa do parlamentar americano, que tem quadros de impressionistas franceses na parede, e a conversa transcorreu em francês, afinal de contas o senador faz parte de uma família aristocrática e era primo de Gore Vidal, um dos maiores escritores americanos do século 20. A opinião de Maurílio foi taxativa:

— Acho que conheci um futuro presidente americano.

Intervenção indevida

É interessante observar que nenhum dos 51 estados norte-americanos permite a presença de observadores de qualquer espécie durante o processo eleitoral. Não existe acompanhamento independente durante as fases de votação, apuração e contabilização dos votos, o que abre brechas para fraudes, incluindo roubos de urnas. Apesar disto, o governo dos Estados Unidos intervem de maneira ostensiva em missões de organismos internacionais como a Organização dos Estados Americanos (OEA), principalmente quando o resultado não lhe agrada.

Neste ponto é preciso ressaltar o papel de observadores independentes, como o Carter Center, que se contrapõem às tentativas de intimidação do governo norte-americano. Um bom exemplo é a Venezuela. Em abril de 2013, o candidato da situação, Nicolás Maduro, obteve uma vitória apertada, com apenas 200 mil eleitores, sobre o oposicionista Henrique Capriles, que solicitou a recontagem de votos. Lá, empregam-se urnas eletrônicas que imprimem uma cédula que serve como uma contraprova de segurança.

O então secretário de Estado norte-americano, John Kerry, apoiou a ação judicial abertamente e dirigiu ameaças ao vencedor do pleito. A Comissão Eleitoral da Venezuela aceitou o processo, as cédulas impressas foram auditadas e o resultado original confirmado, mas as pressões dos Estados Unidos contra os venezuelanos continuaram ao longo dos governos Barack Obama e Donald Trump até culminarem em sanções econômicas pesadas contra Caracas.

O Carter Center, desde a proclamação do resultado, afirmou que a eleição era legítima.

Golpe de Estado

Outro bom exemplo é a Bolívia, onde a participação da Organização dos Estados Americanos (OEA) como observadora foi decisiva para o golpe de Estado de 2019. O presidente Evo Morales, candidato do Movimento para o Socialismo (MAS, na sigla em espanhol), conseguiu se reeleger, o que gerou uma forte reação dos opositores neoliberais, centrados no Departamento de Santa Cruz de La Sierra. O presidente da entidade internacional, Luis Almagro, em lugar de anunciar imediatamente o parecer da comissão que fiscalizou o pleito, postergou o relatório. Foi o que bastou para que surgissem boatos de fraudes e a parte derrotada mobilizasse seus militantes.

A casa de Morales foi invadida por uma turba formada por gente branca, de classe média e rica, que ridicularizou a falta de bom gosto e a pobreza dos tênis usados pelo mandatário boliviano pelas mídias sociais. Os militantes também agrediram políticos do MAS como a prefeita de Vinto, Patricia Arce Guzmán, que teve seus cabelos cortados, foi coberta de tinta vermelha e ficou descalça enquanto era agredida pelos manifestantes. Os líderes militares forçaram Morales e seu vice, Alvaro Liñera, a sair do país e a senadora Jeanine Áñez se autoproclamou presidente sem se submeter à aprovação do Congresso. Obviamente, seu governo foi reconhecido imediatamente pelos Estados Unidos.

Tempos depois, ao ser provocado no Twitter sobre seu envolvimento no financiamento do golpe na Bolívia, rica em lítio (material necessário para baterias usadas em automóveis elétricos), o empresário Elon Musk confirmou:

— Vamos dar golpe em quem quisermos! Lide com isso.

Com o golpe consolidado, a OEA divulgou seu parecer: as eleições foram limpas, mas a candidatura de Morales não era legítima. O Centre Carter que anunciou seu relatório logo depois do pleito confirmou que não houve fraudes, o que mostra que observadores internacionais independentes são mais confiáveis. Infelizmente, 38 pessoas ligadas ao MAS  foram assassinadas (segundo investigação da OEA, fontes locais apontam para mais de 100, com 400 feridos).

Em função destas manipulações, países como a Rússia, que terá eleição presidencial em março, preferem recorrer apenas a organizações e observadores independentes. Os Estados Unidos, ao que indicam as pesquisas, terá que escolher entre o atual presidente Joe Biden e Donald Trump, que lhe antecedeu na Casa Branca. Será mais uma disputa sem qualquer fiscalização em um sistema eleitoral obsoleto que permite fraudes.