Por Pedro Paulo Rezende
Dois fatos aparentemente sem ligação, mas que resultam de um mal endêmico entre os norte-americanos: o racismo. Um menino de três anos morre afogado no Rio Grande, depois que sua família tenta atravessar a fronteira entre o México e os Estados Unidos. Em Jerusalém, o presidente Joe Biden, apoia integralmente a política do primeiro-ministro de Israel, Benjamin Netanyahu, de destruir o Hamas (grupo radical) por meio de bombardeios indiscriminados contra a população civil da Faixa de Gaza, inclusive com o uso de artefatos incendiários de fósforo branco em centros urbanos, proibidos pela Convenção de Genebra.
Para o governo estadunidense, muçulmanos, latinos, negros e boa parte dos asiáticos são vistos como seres humanos indignos de viver o sonho americano. Desta forma, compactuam com as ações do Estado judeu que impõem um regime de segregação racial (apartheid) contra a Cisjordânia e Gaza. Devemos lembrar que são comuns no Knesset (parlamento israelenses) discursos xenófobos contra os palestinos e falashas (judeus negros oriundos da Etiópia) que sofrem clara discriminação, inclusive na luta por empregos.
É óbvio que o governo israelense tem o direito de se defender de um ataque terrorista — como o executado no dia 7 de outubro pelo grupo fundamentalista Hamas contra o Supernova Music Festival (uma rave no Kibutz Sukhot, ao sul de Telavive) — e punir os responsáveis pelas mais de 1280 mortes de espectadores. No entanto, a única garantia de eliminação de uma organização terrorista está em uma invasão por terra. O endosso de Biden ao bombardeio indiscriminado à Faixa de Gaza, que já causou 7 mil mortes de civis (metade delas crianças), apenas reforça um processo de limpeza étnica que, até hoje, não trouxe resultados. A tática é usada pelo governo israelense desde 2009 com evidentes sinais de fracasso, mas economiza a vida de militares das Forças de Defesa de Israel. (Leia mais aqui)
Os dois países ainda compartilham um ponto: muralhas enormes que fecham suas fronteiras no México e em Gaza. Pouco antes do ataque do Hamas, Biden determinou a retomada da construção do muro na fronteira méxico-estadunidense. Desde 12 de maio, os EUA expulsaram ou devolveram mais de 253 mil pessoas para 152 países, muitos deles latino-americanos, segundo dados oficiais.
Militares contra civis
De acordo com os últimos dados oficiais americanos, a patrulha fronteiriça interceptou na fronteira com México 132.652 migrantes em julho, e 99.545 em junho. O Departamento de Segurança Doméstica (DHS na sigla em inglês) anunciou o envio de 800 militares “para ajudar com a logística e outras funções na fronteira”. Até momento, o Departamento de Defesa apoia com 2.500 militares permanentes da Guarda Nacional. A patrulha fronteiriça conta com 24 mil agentes e funcionários e mais de 2.600 oficiais terceirizados.
Israel, por sua vez, avança assentamentos ilegais na Cisjordânia e desloca a população local. A região, hoje, está ocupada por 350 mil colonos judeus. Em Sheikh Jarrah, em Jerusalém Oriental, famílias palestinas receberam ordens emitidas por autoridades do Judiciário para abandonar suas casas, onde vivem a gerações, e entregá-las a imigrantes recém-chegados dos Estados Unidos. É um processo de limpeza étnica que contraria resoluções da Organização das Nações Unidas e uma prova concreta de racismo e de apartheid.
Poder branco
Segundo a organização Humans Rights Watch, os Estados Unidos precisam tomar medidas mais ousadas para desmantelar o racismo sistêmico incrustado no país. Estruturas de poder arraigadas e desiguais – em grande parte baseadas no racismo, na supremacia branca e na desigualdade econômica – são barreiras a mudanças significativas. A administração Joe Biden, prometeu reformas nas duras e abusivas políticas fronteiriças, mas muitas foram adiadas. Além do estatuto de migrante, a raça e a etnia são fatores primários que predizem quem está sujeito a expulsão, detenção, deportação e políticas extremas antiasilo.
Após a insurreição no Capitólio dos EUA, em 6 de janeiro de 2021, redes de supremacistas brancos e extremistas de extrema direita expandiram e ampliaram a sua presença online. As comunidades marginalizadas temem pela sua segurança num contexto de aumento contínuo de crimes de ódio relatados no primeiro semestre de 2022, incluindo tiroteios motivados pela ideologia da supremacia branca.
Em Israel, colonos assassinam palestinos diante da polícia ou de militares, sem que nenhuma ação seja tomada.
Segregação econômica e prisões
No início de 2022, a concentração de riqueza nos EUA estava perto do seu nível mais elevado em mais de 40 anos, uma vez que 1% das famílias mais ricas possuía cerca de um terço de toda a riqueza privada. As famílias negras, latinas e nativas americanas continuam a ter taxas de pobreza maior do que as famílias brancas não-latinas, enfatizando as persistentes disparidades baseadas na raça e na etnia em termos de rendimento, riqueza, dívida e emprego.
Os falashas, com uma história comprovada de 3 mil anos de fé judaica, precisam se contentar com salários 60% menores que o da população branca. Os paralelos entre os dois países não param por aí. Os Estados Unidos da América continuam a ter a taxa de encarceramento mais elevada do mundo, com quase 2 milhões de pessoas detidas em cadeias e prisões estaduais e federais. As pessoas negras e pardas são maioria nas cadeias e prisões.
As estatísticas israelenses não são confiáveis, mas organizações humanitárias, como a B’Tsellen, apontam para uma alta proporção de palestinos presos sem nenhum processo ou mandato legal contra eles. Nas últimas duas semanas, cinco mil pessoas foram detidas e a maioria vive na Cisjordânia sem qualquer ligação com o Hamas, que realiza a maior parte de suas ações a partir de Gaza.
Pesadelo americano
Em 2022, menos de metade dos departamentos de polícia dos EUA forneceram dados sobre o uso da força, sendo necessária a análise de dados não governamentais. Só em 2022, a polícia matou mais de 400 pessoas. Numa base per capita, as autoridades de segurança matam três vezes mais negros do que mata brancos.
Um elevado número de crianças continua a ser encarcerado todos os anos, com mais de 240 mil casos de detenção segundo o relatório preparado pelo Sentencing Project em março. A maioria das detenções é de menores negros, latinos e das ilhas asiáticas e do Pacífico. Em Israel, cerca de mil pré-adolescentes são detidos mensalmente a partir de buscas ilegais em domicílio. Trata-se de uma tática de intimidação, uma vez que poucos processos se originam destas ações.
Na América, a Humans Rights Watch condena as operações das autoridades que deveriam proteger menores. Segundo a organização, a cada três minutos uma criança é retirada de casa e colocada no sistema de acolhimento sem uma razão legal em lugar de fornecer apoio para ajudar a manter as famílias unidas.
Imigração ilegal
A administração Biden continuou a expulsar arbitrariamente milhares de pessoas que entram nos EUA através da fronteira sul, sem respeitar o seu direito de procurar asilo. Desde que a política foi introduzida, em março de 2020, entre os expulsos incluíam-se milhares de crianças, incluindo pelo menos 7.500 menores de quatro anos. Haitianos, africanos, guatemaltecos, salvadorenhos e pessoas de muitos outros países e regiões foram expulsos.
A administração fechou alguns centros de detenção de imigrantes e pôs fim a algumas políticas de “tolerância zero” implantadas pelo ex-presidente Donald Trump; no entanto, cerca de 25 mil imigrantes ainda estavam detidos em setembro. O governo Biden liberou mais de 300 mil pessoas presas pelas autoridades de imigração, mas obrigou-as a usar tornozeleiras eletrônicas, o que a Human Rights Watch considera abusivo e desnecessário.
Autoridades estaduais do Texas, Arizona e Flórida transportaram migrantes da fronteira sudoeste para cidades em estados distantes, sem levar em conta a provável localização de seus parentes ou audiências judiciais. O governador do Texas, Greg Abbott, continuou a visar migrantes suspeitos para detenção e encarceramento no âmbito da Operação Lone Star, uma política fronteiriça discriminatória e abusiva de US$ 4 bilhões.
A verdade é que as práticas estadunidenses e israelenses caracterizam-se como racistas. Há semelhança de objetivos e métodos e merecem atitudes mais firmes de repúdio da comunidade internacional.
OBS: Material editado para corrigir um erro de digitação sobre o número de mortos israelenses. São 1280 e não 280 como originalmente escrito.

