Por PEDRO PAULO REZENDE
Nos próximos dias, deve sair a sentença que definirá o destino do fundador do site Wikileaks, Julian Assange, que luta para impedir sua extradição do Reino Unido para os Estados Unidos. Os promotores norte-americanos tentam levar Assange, de 52 anos, para julgá-lo por 18 acusações relacionadas à divulgação de milhares de documentos militares e telegramas diplomáticos confidenciais dos departamentos de Defesa e de Estado. Graças ao trabalho do jornalista australiano, o mundo ficou a par de ações gravíssimas que incluem violação de correspondência de chefes de Estado, tortura sistemática de prisioneiros, execuções de líderes contrários aos interesses de Washington e erros graves cometidos por oficiais no Iraque, inclusive a morte de dezenas de fotógrafos e cinegrafistas depois que um piloto de helicóptero confundiu-os com membros da resistência.
Os procuradores afirmam que os vazamentos colocaram em risco a vida de agentes do governo estadunidense e que não há desculpa para este crime, que é pálido diante da violação dos direitos humanos de milhares de pessoas que sofreram durante a ocupação norte-americana no Iraque e no Afeganistão. É mais que óbvio o desejo de Washington de mostrar sua mão pesada contra qualquer um que tente expor seu desprezo contra as regras do direito internacional. Assange expôs a hipocrisia de quem denuncia as instalações de Xinjiang, onde os condenados dormem em casa, enquanto mantém uma aberração em Guantánamo, onde os prisioneiros são submetidos a torturas sem passarem por qualquer processo legal.
Boa parte das denúncias de Assange abrangia violações cometidas na internet. Eu mesmo, na época, recebi um comunicado do Yahoo que meu e-mail, que uso para receber spam, fora invadido “por uma potência estrangeira”. É aí que entra outro herói dos tempos modernos: Edward Snowden, que hoje vive exilado em Moscou. Em entrevista aos jornalistas Glenn Greenwald e Laura Poitras, ele revelou o alcance da vigilância da Agência Nacional de Segurança (NSA, na sigla em inglês). As denúncias abrangiam vigilância em território americano, o que é proibido por lei, e violação de mensagens eletrônicas de chefes de Estado, inclusive da ex-presidente brasileira Dilma Rousseff.
As ações das agências, hoje, não se limitam às atividades de espionagem. Desde a Primavera Árabe, influenciadores recebem instruções e pagamentos de organizações não-governamentais para vender as mensagens ditadas por Washington. Programas como o Carnegie Endowment for Democracy financiam sites para que ataquem países que se afastam dos interesses da Aliança Atlântica. Um dos melhores exemplos é a Orix, página que surgiu depois do início do início do conflito da Ucrânia e se especializou em publicar fotos de blindados e veículos destruídos (supostamente das forças russas). Estudos mais atenciosos descobriram manipulações de imagens, como unidades ucranianas modificadas no Photoshop ou imagens recicladas. Sintomaticamente, ela fechou depois que equipamentos soviéticos foram substituídos por ocidentais nos combates de Donbass.
O editor de um site de defesa brasileiro, depois de publicar uma matéria neutra sobre o conflito, recebeu uma mensagem do YouTube aconselhando-o a retirar ou corrigir o material para um viés mais favorável à Ucrânia, ou poderia sofrer punições. Outro foi banido pelo mesmo aplicativo depois de ser “denunciado” como pró-russo. Esta política é seguida pelo Facebook e o Instagram.
Os governos não-alinhados com a Aliança Atlântica e neutros, como o Brasil, já perceberam que as redes sociais se transformaram em um terreno movediço e propenso à difusão de fake news. A discussão sobre o controle da internet já chegou ao Congresso Nacional onde se discute o aperfeiçoamento da Lei do Marco Civil da Internet que estabeleceu princípios, garantias, direitos e deveres para o uso da rede no país. O tema se tornou mais urgente depois que o Facebook, o Instagram, o Twitter e o WhatsApp serviram como ferramenta para impulsionar uma tentativa de golpe de Estado para reverter os resultados da última eleição presidencial para manter Jair Bolsonaro no comando do país. Os mesmos mecanismos foram empregados nos Estados Unidos a favor de Donald Trump contra Joe Biden.
Tentativas semelhantes foram detectadas em Belarus, no Cazaquistão, na Nicarágua, na Venezuela e no Vietnã. As ações se estendem contra os países do BRICS, bloco que contesta a liderança da Aliança Atlântica e que ganha cada vez mais associados, principalmente contra a República Popular da China. No conflito da Ucrânia, a cobeligerância digital é uma realidade, com hackers europeus e norte-americanos em ataques permanentes contra empresas e instituições russas.
O Brasil se tornou alvo de ataques violentos pela Internet depois que o presidente Luíz Inácio Lula da Silva denunciou os crimes de guerra cometidos por Israel no combate ao grupo terrorista Hamas. O Estado judeu priorizou ataques aéreos contra civis em lugar de usar táticas menos agressivas e mais eficazes (leia mais aqui). Neste caso, a comunidade internacional deu suporte à posição brasileira. Apesar disto, o nosso chefe de Estado sofreu danos a sua popularidade devido ao uso pesado da rede mundial de computadores por grupos fundamentalistas religiosos.
A verdade é que a internet se transformou em uma ferramenta eficaz para que as grandes potências ocidentais, que dominam a narrativa por meio do uso inteligente do softpower — Hollywood e o entretenimento eletrônico são bons exemplos disto —, espraiem suas ideias. Sem um filtro eficiente, as nações e instituições tradicionais se tornarão reféns e cada vez menos independentes.

