A hora e a vez do BRICS

Por PEDRO PAULO REZENDE

As sanções impostas à Rússia em função da operação especial na Ucrânia mostraram o risco da ordem unipolar e acentuaram o interesse mundial pela expansão do BRICS, bloco formado por Brasil, Rússia, Índia, China e África do Sul. A ideia foi formulada pelo economista-chefe da Goldman Sachs, Jim O’Neil, em estudo de 2001, intitulado “Building Better Global Economic BRICs”. Fixou-se como categoria da análise nos meios econômico-financeiros, empresariais, acadêmicos e de comunicação.

Em 2006, o conceito se incorporou à política externa de Brasil, Rússia, Índia e China. Em 2011, por ocasião da III Cúpula, a África do Sul passou a fazer parte do bloco, que adotou a sigla BRICS. Apesar de não ser uma formação formal por — não possuir regimento interno e secretaria-geral — o bloco se caracteriza por sua força econômica, uma vez que detém em poder de paridade de poder de compra (PPP), um Produto Interno Bruto superior ao dos Estados Unidos ou o da União Europeia.

Para dar uma ideia do ritmo de crescimento desses países, em 2003 os BRICS respondiam por 9% do PIB mundial, e, em 2009, esse valor aumentou para 14%. Em 2010, o PIB conjunto dos cinco países (incluindo a África do Sul), totalizou US$ 11 trilhões, ou 18% da economia mundial. Considerando o PIB pela paridade de poder de compra, esse índice é ainda maior: US$ 19 trilhões, ou 25%.

O que sustenta o mecanismo é a vontade política de seus membros, mas aos poucos, o bloco se formaliza, à medida que os cinco países intensificam sua interação. Hoje, já existe um banco de desenvolvimento que atua de maneira ativa em nível global. O BRICS também trabalha no sentido de estabelecer um meio internacional de pagamento alternativo ao SWIFT (sigla em inglês de Society for Worldwide Interbank Financial Telecommunication).

Controle financeiro

O SWIFT foi criado por norte-americanos e europeus em 1973 para substituir as comunicações por telex e tem sua sede em Bruxelas, na Bélgica. É serviço de telecomunicações integrado por computadores que viabiliza o pagamento e a transferência de recursos entre empresas de diferentes países. Atualmente, é usado por mais de 11 mil bancos em 200 países para comunicar informações sobre transações financeiras de forma padronizada.

O grande problema, é que o sistema é vulnerável às sanções decretadas pelos Estados Unidos e pela União Europeia. Cuba, Irã e Venezuela são bons exemplos: estão isoladas dos sistemas de pagamentos internacionais e têm dificuldades, inclusive, para adquirir alimentos e insumos médicos para suas populações, incluindo equipamentos de uso hospitalar e substâncias químicas para a produção de remédios.

No caso venezuelano, as sanções são mais pesadas. Praticamente, a totalidade de suas reservas monetárias, inclusive em ouro, está sob embargo. A população do país pagou um preço pesado, até que o governo venezuelano, conseguiu superar os obstáculos com o apoio financeiro da República Popular da China, da tecnologia petrolífera da República Islâmica do Irã e do suporte militar da Federação Russa.

Em um quadro onde a ordem unipolar impõe sua vontade, o BRICS é um farol de liberdade para o mundo. É óbvio que o bloco atraia o interesse de países que precisam de apoio financeiro e político para crescer. Já se manifestaram neste sentido Arábia Saudita, Argentina, Irã e Turquia. Egito e Indonésia também olham a ideia com interesse.

Grupo de gigantes

Jim O’Neil estabeleceu um critério ao definir os países que fariam parte do BRICS que incluía a soma dos seguintes fatores: o tamanho da população, o controle de matérias primas importantes, o domínio industrial, a força de trabalho e o crescimento econômico. Em suma, seria um clube de gigantes. Os novos candidatos cumprem vários destes pontos parcialmente, mas não deixam de ser grandes em vários pontos. A Arábia Saudita e o Irã se incluem entre os maiores produtores de petróleo e gás do planeta e ocupam, respectivamente, a segunda e a sétima posição no ranking. É preciso ressaltar que o terceiro (Rússia), o quarto (China) e o nono (Brasil) lugar da lista já integram o bloco. A Argentina é detentora das terras mais férteis ao lado da Ucrânia e é uma gigante, ao lado do Brasil, na produção de carne e de grãos.

A Turquia reúne, em termos de pessoal, as maiores forças armadas da Organização do Tratado do Atlântico Norte, principal aliança do Ocidente, além de controlar o acesso ao Mar Negro devido ao domínio do Estreito de Bósforo. O Egito abriga o Canal de Suez, principal rota comercial entre Europa e Ásia, e a Indonésia é o maior país islâmico em termos populacionais. Em suma, são candidatos de enorme potencial econômico e estratégico que trariam ganhos importantes ao BRICS.

Paradoxalmente, a operação militar especial da Rússia para desmilitarizar a Ucrânia, iniciada em fevereiro, ampliou o interesse destes países pelo BRICS. Com exceção do Irã, são governos que sempre se pautaram por seguir Washington incondicionalmente, mas que já mostravam cansaço de não terem sua importância reconhecida à altura. A Turquia nunca conseguiu o respeito que merece por garantir o flanco sul da Europa. Teve negados todos os seus pedidos para integrar a União Europeia. Ancara, além de não aderir às sanções europeias, se mantém neutra no conflito ucraniano para desespero dos países da OTAN.

Quando os governos europeus e norte-americano decidiram punir a Rússia com sanções econômicas e tiveram seus fornecimentos de gás, petróleo e carvão reduzidos por Moscou, os sauditas se recusaram a ampliar sua produção para cobrir o déficit energético resultante. Nem um pedido pessoal do presidente estadunidense, Joe Biden, ao príncipe herdeiro Mohammad bin Salman trouxe resultado.

Como se não bastasse, a Arábia Saudita discute com Beijing a possibilidade de projetos econômicos e militares conjuntos. Já sondou o governo chinês sobre a possibilidade de financiar uma versão de exportação do avião de combate furtivo Shenyang J-35, projetado para equipar o navio-aeródromo convencional Tipo 003, o Fujian, da Marinha do Exército Popular de Libertação Nacional, que se encontra em fase final de aprestamento

Em busca de financiamento

A Argentina estreita, cada vez mais, seus laços financeiros e militares com a República Popular da China (leia mais aqui). O aporte de recursos chineses é uma alternativa concreta para o país superar a crise econômica crônica em que foi lançada pelas desastrosas políticas da Junta Militar e dos ex-presidentes Carlos Menem e Mauricio Maccri.

Jose Martinez de Hoz, czar econômico da Junta Militar, impôs uma política neoliberal que destruiu a competitividade da indústria argentina e comprometeu o orçamento com empréstimos externos a juros impagáveis. Carlos Menem dolarizou um país que não tinha dólares. Maccri, por sua vez, acatou uma ordem judicial extremamente desfavorável à Buenos Aires ao aceitar a decisão do juiz Thomas Griesa da Corte do Distrito Sul de Manhattan, que determinou o pagamento do valor de face dos títulos emitidos pelo governo argentino, atendendo a reivindicação de quatro fundos que detinham apenas 4% da dívida soberana do país.

Nomeado por Richard Nixon, Griesa, que morreu no Natal passado, tinha ligações promíscuas com o mundo financeiro de Nova York e deveria ter se declarado suspeito para julgar a ação. É preciso ressaltar que a presidente Cristina Kirchner conseguira um acerto com os credores restantes para cobrir 20% do valor de face e que todos os detentores dos bônus pagaram apenas 10% do valor nominal dos papéis adquiridos de compradores originais desencantados.

A desculpa de Maccri era a de que ao aceitar a decisão de Griesa o país voltaria a atrair investidores. Ele contraiu um empréstimo de US$ 57 bilhões ao Fundo Monetário Internacional (que não conseguiu honrar), multiplicou a dívida externa por cinco e os investimentos não vieram. Em suma: deixou uma herança maldita ao seu sucessor, Alberto Fernandez que, só neste ano, honrou US$ 370 milhões de juros. Ao contrário dos recursos do FMI, usados apenas para rolar uma dívida impagável, os chineses prometem dinheiro novo para investir em infraestrutura e no aumento da produção argentina. É como oferecer oxigênio a um paciente com um caso terminal de COVID 19.

Luta contra o embargo

Investimentos da República Popular da China deram fôlego à economia da República Islâmica do Irã, impactada por sanções desde 1979. A mais recente série (voltada contra o programa nuclear do país) teve início em 2007, quando uma resolução do Conselho de Segurança das Nações Unidas determinou o fim do enriquecimento de urânio no país, signatário do Tratado de não-Proliferação Nuclear (TNP). A força motriz era o Estado de Israel, que não assinou o acordo e que provavelmente possui armamento atômico.

O então presidente dos Estados Unidos, Barack Obama, solicitou a ajuda do Itamaraty para mediar a questão em carta ao ex-presidente Luís Inácio Lula da Silva. Brasil e Turquia se uniram, em 2009, em busca de um acordo com o Irã. A iniciativa bem sucedida foi ignorada pelos membros permanentes do Conselho de Segurança das Nações Unidas (China, Estados Unidos, França, Reino Unido e Rússia). O documento final firmado, em 2013, conhecido como JCPOA, no formato 5+1 (os cinco grandes da ONU mais a Alemanha), era inferior ao negociado pelo então ministro das Relações Exteriores brasileiro, Celso Amorim.

A Agência Internacional de Energia Atômica constatou, nos anos seguintes, o cumprimento das cláusulas do documento por Teerã. Apesar disto, em 2018, durante sua passagem na Casa Branca, o ex-presidente Donald Trump saiu do acordo e as sanções se agravaram. Apesar disto, o país continuou de pé e ativo no cenário mundial apoiando o esforço antiterrorista do Iraque e da Síria e a recuperação da indústria petrolífera venezuelana. Além disto, a máquina de guerra iraniana é bem equipada e extremamente adequada a conflitos dissimilares.

Dentro das regras do capitalismo, os monopólios são negativos e um pouco de concorrência sempre é bem-vindo. De uma maneira geral, os candidatos ao BRICS ampliariam, em muito, o poder do bloco em termos econômicos, militares e políticos. Se forem aceitos, o bloco ganha musculatura para oferecer alternativas à ordem unipolar que o ocidente pretendia impor à humanidade. Trará oxigênio à economia e às relações globais e será uma garantia a um mundo onde países veem suas reservas monetárias roubadas, são atropelados por sanções injustas e impedidos de cumprirem seus compromissos por não terem acesso aos meios de pagamentos. China, Índia e Rússia apostam nisto, falta apenas a chancela final da África do Sul e do Brasil.