Por Pedro Paulo Rezende
O presidente da Argentina, Javier Milei, pensou que seria a estrela do Fórum Mundial de Davos ao iniciar sua fala no maior palco do capitalismo global. Afinal de contas, suas ideias anarcocapitalistas e ultraliberais deveriam cair como música nos ouvidos da elite mundial. Afinal de contas, ele defenderia a total independência do mercado e atacaria as agendas globais de combate à desigualdade e às mudanças climáticas que trazem custos extras às grandes corporações. Durante pouco mais de 20 minutos repetiu as cantilenas que defende em todas as suas falas públicas. Afirmou que o Ocidente estava em perigo:
— Aqueles que deveriam defender os valores do Ocidente são cooptados por uma visão de mundo que, inexoravelmente, leva ao socialismo e, consequentemente, à pobreza afirmou. — Nas últimas décadas os principais líderes do mundo ocidental abandonaram o modelo de liberdade em favor de diferentes versões do que chamamos de coletivismo.
Em um dos momentos da apresentação, sobrou até para Adam Smith, o economista que estabeleceu todos os princípios da economia liberal ao final do século 18:
— O marco teórico da teoria neoclássica acaba inconscientemente sendo funcional à interferência do Estado, ao socialismo e à degradação da sociedade — completou.
Em um evento que reúne os maiores empresários e os principais chefes de Estado, o presidente argentino só se encontrou com o ministro das Relações Exteriores do Reino Unido, David Cameron, para apresentar sua proposta para as Malvinas, e com a diretora-gerente do Fundo Monetário Internacional, Kristalina Georgieva, para discutir o programa de empréstimo de US$ 44 bilhões para rolar a dívida contraída no mandato de Maurício Macri. Em um resumo breve, a participação de Milei virou folclore dentro do fórum.
Pontes queimadas
É importante ressaltar que no dia 10 de dezembro Milei desistiu de participar do BRICS, bloco formado originalmente por Brasil, Rússia, Índia, China e África do Sul — recentemente ampliado com as adesões de Arábia Saudita, Egito, Emirados Árabes Unidos, Etiópia e Irã. A motivação foi claramente ideológica: a Argentina irá se alinhar automaticamente aos países ocidentais e pretende participar da Organização para a Cooperação e o Desenvolvimento Econômico (OCDE), a exemplo do que queria o ex-presidente Jair Bolsonaro. O grande problema é que as fontes de investimento dos Estados Unidos, da União Europeia e do Japão secaram.
A resposta da República Popular da China foi dura: interrompeu o financiamento de US$ 6,5 bilhões (aproximadamente 31,6 bilhões de reais) à Argentina, originário de um acordo de swap cambial, um tipo de arranjo financeiro em que dois bancos centrais trocam moedas. Neste modelo, os acordantes se comprometem a reverter a transação em uma data futura, normalmente a uma taxa de câmbio pré-estabelecida. Em uma ocasião anterior, na gestão de Alberto Fernandez, o governo chinês emprestou em yuanes o equivalente a US$ 1,6 bilhão para que Buenos Aires pudesse honrar seu acordo com o FMI.
Além deste valor, que serviria para tirar a corda do pescoço da Argentina, o Novo Banco de Desenvolvimento (NDB, na sigla em inglês, mais conhecido como Banco do BRICS) estudava possíveis linhas de crédito para infraestrutura. É preciso ressaltar que, antes da posse de Milei, a República Popular da China era, junto com o Brasil, uma das maiores fontes de dinheiro novo e mantinha um investimento anual de US$ 1,3 bilhão no país. Por sua vez, o Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social (BNDES) garantiu boa parte dos US$ 690 milhões para a conclusão do gasoduto Néstor Kirchner, que ligará a Patagônia ao sul dos Brasil.
Europa em recessão
Enquanto isto, a economia germânica passa por uma de suas mais sérias crises. Segundo a Destatis, a agência de estatísticas da República Federal da Alemanha, os consumidores enfrentam uma séria inflação para os padrões europeus, da ordem de 4,5% em setembro. A este quadro, soma-se a perda de competitividade da economia somada a um quadro recessivo. Entre os meses de julho e agosto, o mercado registrou uma queda de 2,4% na produção do setor de construção em relação ao mês anterior, um declínio de 6,6% na produção de energia e uma queda de 2,3% na fabricação de máquinas e equipamentos.
Com a destruição dos gasodutos Nord Stream I e Nord Stream II, que transportavam combustível russo para a Alemanha, os custos de energia explodiram e empresas migraram para os Estados Unidos em busca de tarifas mais justas e melhoria de competitividade.
Entre outras medidas para enfrentar a diminuição da oferta de combustível, o governo de Olaf Scholz reativou minas de linhita, um minério extremamente poluente, e usinas de geração de energia a carvão, o que contraria os compromissos alemães para reduzir as emissões de carbono que causam o aquecimento global e pioram a qualidade do ar respirado no país.
Com a imposição de sanções contra a Federação Russa, instigadas pela Casa Branca, o que reduziu as exportações alemãs, as empresas alemãs começaram a migrar para os Estados Unidos. Hoje, cerca de 5,6 mil delas investem no mercado estadunidense, segundo dados da Câmara Americana de Comércio na Alemanha (AmCham Germany). Isto representa um volume de investimento de quase US$ 650 bilhões (dados de setembro de 2022).
Este quadro desfavorável à Alemanha é reforçado por subsídios como a Lei de Redução da Inflação (IRA, na sigla em inglês), um programa multibilionário de subsídios liderado pelo presidente Joe Biden, de aproximadamente, US$ 430 bilhões, US$ 370 bilhões destinados à promoção de tecnologias de baixo carbono (equipamentos, sistemas e recursos que têm como objetivo reduzir a emissão de gases de efeito de estufa) e segurança energética.
Esses subsídios e abatimentos fiscais estão vinculados à condição de que as empresas que se beneficiam deles usem produtos americanos ou produzam diretamente nos Estados Unidos Do ponto de vista americano, produtos primários de países com os quais os EUA têm um acordo de livre comércio — como México e Canadá — também estão incluídos.
Outros países europeus, como o Reino Unido, afetado negativamente pela saída da União Europeia, enfrentam inflação somada à recessão, principalmente na cesta básica, que chegou a crescer 20% no início do ano passado. Cerca de 48 mil empresas estão em risco de fechamento por dificuldades financeiras. Das três maiores economias do continente, apenas a França apresenta boa saúde, em função de sua matriz energética embasada, majoritariamente, na energia nuclear.
Radicalismo
A linguagem de Milei segue o jargão usado pela extrema direita global. O discurso não é novo e foi usado pelos ex-presidentes Donald Trump, nos Estados Unidos, e Jair Bolsonaro, no Brasil. Em função de algumas doses de realismo, China e Brasil são os maiores parceiros comerciais argentinos, ele foi obrigado a diminuir a ênfase que dava às suas pretensões de romper relações com dois governos que classificava como “comunistas”. Em verdade, suas primeiras medidas ampliaram o sofrimento do povo argentino, com um aumento exagerado de preços.
O chefe de Estado argentino questionou a igualdade de gênero e o aquecimento global diante de uma plateia de empresários que está, cada dia mais, consciente da necessidade de reformas nas relações humanas e de minimizar as emissões de carbono na atmosfera que integram as metas estabelecidas pela Organização das Nações Unidas.
Milei queria sair de Davos como herói. Saiu como piada e sem “plata” para financiar seus sonhos anarcocapitalistas.

