Perder ou perder

Por PEDRO PAULO REZENDE

A opinião pública internacional estava pronta a aceitar qualquer resultado para as eleições presidenciais da Venezuela, desde que fosse a derrota do presidente Nicolás Maduro, proclamado vencedor pelo Conselho Nacional Eleitoral (CNE) no dia 28 de julho. Hoje, uma reunião virtual, que será realizada entre o mandatário venezuelano e os presidentes do Brasil, Luíz Inácio Lula da Silva; da Colômbia, Gustavo Petro, e do México, Lópes Obrador, definirá as relações políticas futuras de Caracas com o resto do mundo. Eles irão cobrar a divulgação das atas emitidas pelas sessões eleitorais, entregues pelo CNE ao Tribunal Supremo de Justiça (TSJ) para auditoria.

Os três países pedem apenas a divulgação das atas pelo CNE, que reconhecem como as únicas legítimas para definir o vencedor da disputa. A presidente da corte, Caryslia Rodrígues, já afirmou que sua decisão será definitiva e inapelável, mas o procedimento contraria uma série de dispositivos estabelecidos pelo CNE. O que estava previsto era a divulgação das atas eleitorais em um prazo de até 30 dias após o pleito. Normalmente, os resultados e a documentação comprobatória são divulgados em até 72 horas após o pleito.

A reeleição de Maduro foi anunciada pelo CNE. Segundo o presidente do órgão, Elvis Amoroso, o chefe de Estado recebera 52% dos votos, contra 43% de González, com 97% das urnas apuradas. Neste ponto é interessante observar as vantagens de um sistema independente como a Justiça Eleitoral no Brasil, um modelo único que merecia ser copiado por outros países. (leia mais aqui)

Segundo Maduro, a falta de transparência do CNE tem uma explicação simples: o sistema de transmissão de dados do Conselho Nacional Eleitoral sofreu um ataque cracker vindo da Macedônia do Norte durante o processo de totalização de votos, por isto a demora na divulgação das atas. A afirmação é verossímil, quem tem boa memória sabe que partiram de lá as fake news contra Hillary Clinton na disputa contra Donald Trump, em 2016, pela presidência dos Estados Unidos; e contra Fernando Haddad na eleição de 2018 no Brasil.

O ataque também afetou todo o sistema do governo, que ficou fora do ar por mais de uma semana.

Violência

Depois do anúncio do CNE a oposição seguiu o roteiro de sempre: levar violência às ruas. A repressão foi dura, houve 1.200 presos e 20 mortes, mas impediu que a radicalização piorasse. Quem acompanha a Venezuela sabe que o modus operandi dos opositores mais radicais sempre incluiu ações agressivas, como a instalação de guarimbas (barricadas de blocos de concreto e arame farpado) pelas ruas de Caracas (leia mais aqui). Políticos extremistas, como Leopoldo Lópes, Juan Guaidó e Maria Corina, contratavam capangas para guarnecer as fortificações improvisadas entre as gangues da capital venezuelana.

A oposição age desta forma desde a vitória de Maduro sobre Henrique Capriles (avesso a ações violentas), por 300 mil votos, em 2013. Na época, houve um pedido de recontagem, mas a auditoria, acompanhado por fiscais de todos os partidos, confirmou o resultado. A partir daí os Estados Unidos iniciaram uma espiral de sanções que derrubaram a economia e ao êxodo de 8 milhões de venezuelanos. Com a chegada de Donald Trump ao governo dos Estados Unidos, em 2016, as sanções se agravaram e as reservas monetárias e em ouro venezuelanas foram confiscadas e entregues à oposição, na época comandada por Juan Guaidó que se autoproclamou presidente.

Entre outros atos questionáveis, Guaidó vendeu os ativos da CITGO, distribuidora de petróleo venezuelana em solo estadunidense, ao governo norte-americano.

Preconceito

Para sermos justos, a opinião pública mundial não aceitaria nenhuma outra opção além da vitória de Edmundo Gonzáles, candidato da extrema-direita. Uma grande campanha midiática antecipou o pleito provocando um clima de quase histeria. Pesquisas eleitorais apontavam uma vantagem para a oposição de até 40%, fato explorado à exaustão pelas agências noticiosas e redes de televisão de todos os países ocidentais. Ninguém lembrou que elas nunca foram precisas no país, afinal de contas, subir os morros onde se abriga a população mais pobre e favorável ao governo é arriscado.

A internet abrigou uma enorme quantidade de material que apontava, a priori, fraudes que iriam ocorrer no dia 28 de julho. Um experiente correspondente internacional chegou a apresentar na maior rede de televisão por assinatura do Brasil a pretensa cédula eleitoral (em verdade a lista de candidatos exposta nas sessões eleitorais) onde o atual mandatário aparecia 13 vezes, como se o voto fosse à moda antiga e registrado na caneta. Em verdade, a urna eletrônica imprime um recibo depositado pelo eleitor em urna lacrada, que serve como contraprova.

No dia do pleito, a oposição iniciou a divulgação de atas que, segundo eles, foram emitidas pelas sessões eleitorais. Elas corroborariam as pesquisas realizadas antes do pleito, mas não há nenhuma garantia de que elas sejam reais. Apesar disto foram suficientes para que sete países determinassem a vitória de Edmundo Gonzáles. O primeiro chefe de Estado a reconhecer a vitória da extrema-direita foi a presidente do Peru, Dina Boluarte, que assumiu o cargo em 7 de dezembro de 2022, após um golpe parlamentar que levou à destituição de Pedro Castilho. A mesma posição foi seguida por Estados Unidos, Argentina, Uruguai, Equador, Costa Rica e Panamá. A partir daí, surgiram pressões nos meios de comunicação brasileiros para que o presidente Luíz Inácio Lula da Silva pressionasse Maduro a se retirar do governo.

Itamaraty

A posição brasileira é de que os únicos documentos válidos na Venezuela são as atas eleitorais emitidas pelo CNE. O ministro das Relações Exteriores, Mauro Vieira, e o assessor especial da Presidência da República, Celso Amorim, já manifestaram este ponto. Para nossa diplomacia, o importante é demonstrar o máximo de neutralidade para que possamos intermediar uma solução entre as partes caso a situação se agrave. Isto contraria o desejo da maioria da mídia nacional que considera Nicolás Maduro um ditador sanguinário e gostaria de vê-lo fora do poder.

Maduro é mais um caudilho sul-americano, como tantos outros que marcaram a história da América Latina, mas está longe de ser um dos mais sanguinários. Em apenas um final de semana, em 27 de fevereiro de 1989, dez mil venezuelanos foram mortos durante uma revolta popular contra o presidente Carlos Andrés Pérez. O país enfrentava uma grave crise econômica, com fatores típicos dos quadros de instabilidade de países dependentes da renda petroleira: inflação disparada, desvalorização cambial, escassez de produtos e recessão. Os números de Maduro, que enfrentou uma oposição armada e várias tentativas de golpe de Estado. Ao todo, as piores estimativas chegam a 4 mil mortos (500 deles policiais) em confrontos e cerca de seis mil presos. É preciso ressaltar que o neocaudilhismo atingiu em cheio o continente. Além da Venezuela, se apresenta em El Salvador, com Nayib Bukele, e no Equador, com Daniel Noboa, e na Nicarágua, com Daniel Ortega.

Ameaça fake

Pela internet, surgiram fake news interessantes para criar alarme: forças do grupo de mercenários russo Wagner; das forças armadas de Cuba; militares chineses e da Guarda Revolucionária do Irã teriam o controle do Exército venezuelano. Obviamente, há um pingo de verdade em meio de tanta loucura: técnicos da Rosoboronexport prestam manutenção aos equipamentos da Força Aérea Bolivariana e do Exército Bolivariano da Venezuela; a República Popular da China mantém uma missão econômica em Caracas (o que explica em parte a recuperação do país) e especialistas da AVIC dão manutenção à rede de radares de controle de voo e à frota de aviões de treinamento e de transporte do país, por último, os iranianos trabalham na recuperação das refinarias de petróleo, sucateadas pelas sanções impostas pelos Estados Unidos e pela União Europeia.

A manutenção de Maduro no poder será benéfica ao BRICS Plus — bloco formado inicialmente por Brasil, Rússia, Índia, China e África do Sul (leia mais aqui) — por meio do aumento da cooperação. Isto não interessa aos Estados Unidos, que pretende reduzir a presença chinesa no continente. A situação pode piorar caso o candidato republicano na disputa presidencial americana, Donald Trump, vencer as eleições que ocorrem em novembro. Durante a campanha, ele já defendeu uma ação mais direta contra o presidente venezuelano.

Graças à China e ao Irã, a Venezuela começou a se recuperar. A antiga estrutura atacadista (o país importa 90% do que consome), um dos focos da oposição, foi substituída por empresários favoráveis a Maduro. Desta forma, acabou-se o desabastecimento. O dólar americano está em uso corrente e a hiperinflação está sob controle, na casa de 1% ao mês. O crescimento econômico voltou com geração de empregos formais e ultrapassa, segundo dados do Banco Mundial, taxas superiores a 5% ao ano. Apesar disto, a situação do país não é invejável. A classe política, e isto inclui o atual governo, é corrupta e suscetível a interesses externos. Ter a maior reserva de petróleo nunca foi uma benção para os venezuelanos. Está mais para maldição.