Por Pedro Paulo Rezende
Depois de um ano de sanções econômicas decretadas pelas maiores economia do mundo, a Federação Russa mostra sua resiliência. Europa, Estados Unidos e Japão impuseram mais de 2 mil penalidades ao governo de Vladimir Putin em represália à operação especial desenvolvida na região de Donbass, no sul da Ucrânia. Na época, os analistas internacionais previram um quadro caótico com uma recessão de 14% para o país. O cenário seria similar ao imposto à Venezuela, quando o então presidente estadunidense, Donald Trump, em conjunto com o Reino Unido e a União Europeia, tentaram derrubar o presidente Nicolás Maduro. Eles conseguiram alijar o país do sistema de pagamentos globais, o SWIFT, e congelaram os ativos venezuelanos no exterior (leia mais aqui).
As mesmas medidas foram adotadas contra a Rússia por pressão do presidente norte-americano, Joe Biden. Cerca de um terço de suas reservas internacionais, que atingiam US$ 780 bilhões, foram congeladas. Decretaram um embargo ao petróleo e ao gás russo e às exportações de insumos agrícolas e industriais. Cessaram as exportações de bens eletrônicos. No entanto, no dia 31 de janeiro, o Fundo Monetário Internacional (FMI) reviu para cima as previsões econômicas para a economia russa, que cresceu 0,3% (face aos -2,3% estimados anteriormente).
Contra a Venezuela, as sanções causaram sérios danos ao país. Sem acesso as suas reservas internacionais (inclusive 31 toneladas de ouro guardadas no Bank of England), o país passou por sério quadro de insuficiência alimentar. A oposição, comandada por Leopoldo Lopez e Juan Guaidó, partiu para táticas violentas. O governo só conseguiu virar o jogo graças ao apoio financeiro da China e tecnológico do Irã, que apresentou uma alternativa economicamente viável às enzimas importadas dos Estados Unidos necessárias para quebrar as moléculas do petróleo grosso extraído no país (leia mais aqui).
Contraditoriamente, em meio aos embargos, as reservas russas atingiram US$ 600 bilhões e as exportações apresentaram um desempenho espetacular, enquanto a indústria e a agricultura mostraram um crescimento sólido com geração de emprego e de riqueza graças à substituição de importações. O único setor afetado foi o de serviços, mas começa a reagir com empresas russas assumindo os negócios de multinacionais que deixaram o país, como o McDonald’s. O país também mostrou um sistema de pagamentos internacional substituto ao SWIFT, mas qual é o grande diferencial que torna a Federação Russa tão resistente a golpes? O segredo está no capital industrial e agrícola herdado da União Soviética.
A Venezuela sofre de excessiva dependência do petróleo. Cerca de 90% dos alimentos e bens de consumo são importados e o dinheiro obtido com a exportação de óleos e derivados é desviado para a construção de imóveis. É o que se chama de “doença holandesa”, mas que deveria ser conhecida como “doença venezuelana”.
Burla
O desempenho russo não pode ser menosprezado. A Alemanha, a potência industrial da União Europeia, deverá ter um crescimento de apenas 0,1%. É um desempenho tímido, mas um aumento considerável em relação aos -0,3% estimados em outubro. Na França, o crescimento deverá situar-se nos 0,7% e, na Itália, nos 0,6%. O FMI destaca a resistência e adaptação da economia europeia face à invasão da Ucrânia, à crise energética e ao aumento da inflação. O que a instituição não conta, é que boa parte deste cenário se deve à burla das sanções.
Operações triangulares a partir de novos clientes para o gás e o óleo russos, como a Índia, passaram a suprir a Europa a partir da metade do ano. Entre as economias que atuaram como intermediárias encontra-se a Arábia Saudita, que ampliou muito a aquisição de derivados de petróleo russos. De outra maneira, as economias da Zona do Euro afundariam.
Fornecedores locais, como a Noruega, operaram em sua capacidade máxima a um custo 20% superior ao praticado pelos produtores russos. A tentativa de substituir pelo gás liquefeito de petróleo norte-americano também não deu certo em função do preço, quase 100% mais caro. É preciso observar que, apesar dos sacrifícios impostos à população, as economias europeias perderam musculatura. Os Estados Unidos atraíram indústrias alemãs, entre elas a Mercedes-Benz, com a promessa de energia barata e confiável.
Para conter os danos, o governo alemão, que conta com o apoio do Partido Verde, chefiado pelo socialdemocrata Olaf Scholz, teve de romper com a política nacional contra o aquecimento global ao reativar minas de carvão desativadas. Como resultado, foi obrigado a ampliar a compra de carbono durante visita que realizou em janeiro ao Brasil, quando se encontrou com o presidente Luís Inácio Lula da Silva.
A sombra do racionamento de gás pesou, fortemente, sobre o setor transformador porque as famílias e os serviços públicos são considerados a principal prioridade. Nos hotéis europeus, o fornecimento de aquecimento está limitado a 19 graus Celsius e a 13 horas diárias.
A atualização do FMI surge quando os preços do gás na Europa caíram para níveis semelhantes aos existentes antes da guerra. O Title Transfer Facility (TTF), a principal bolsa de transações de derivados de petróleo, fechou a negociação em 55,4 euros por megawatt-hora, no dia 27 de janeiro, valor semelhante aos de dezembro de 2021. A recente queda nos preços do gás levou várias instituições e bancos, tais como J.P. Morgan e Goldman Sachs, a declarar que a zona euro escapou de uma recessão, que muitos descreveram como inevitável quando o presidente russo Vladimir Putin lançou a invasão da Ucrânia.
Resiliência
O FMI diz que a Rússia encontrou novos clientes fora do Ocidente para vender combustíveis. A forte despesa governamental para sustentar o exército e a invasão da Ucrânia também tem ajudado a manter a atividade econômica. Um ponto que sempre é subestimado é a capacidade ociosa herdada da União Soviética. O país detém um enorme complexo industrial e agrícola capaz de suprir eventuais necessidades de substituir importações. A produção de microprocessadores, apesar de não estar ao nível tecnológico da produção ocidental, consegue atender requisitos militares e alimentar a produção de computadores. Isto já ocorreu no passado.
Em 2014, depois que a Crimeia se uniu à Federação Russa por plebiscito, as sanções ocidentais causaram perdas significativas à economia russa, mas, em apenas dois anos, os efeitos negativos foram superados e o país voltou a apresentar crescimento expressivo (leia mais aqui). Em verdade, a economia europeia sofreu um golpe duro na ocasião, perdendo exportações e mercado. Apesar disto, incorreu no mesmo erro.
De uma maneira geral, a Europa foi a grande perdedora. A Rússia sai mais forte e com novos mercados e os Estados Unidos conseguiram ampliar sua economia às custas de seus sócios no Velho Continente.
Alertas para o Brasil
A grande questão para o Brasil é se conseguiríamos ultrapassar um quadro de sanções tão rígidas como o enfrentado pela Rússia, A resposta é negativa. Somos autossuficientes em alimentos e na produção de óleo bruto, mas a estrutura da produção de derivados de petróleo foi completamente desarticulada nos últimos seis anos com o desmonte das refinarias. Também perdemos competências na área de metalurgia fina e na produção de insumos para medicamentos. Para piorar, milhares de fábricas foram fechadas nos últimos oito anos durante a paralisia imposta pelo Congresso Nacional ao segundo mandato de Dilma Rousseff e nas gestões de Temer e Bolsonaro. Além disto, não produzimos semicondutores capazes de atender os mercados civil e militar e o Centro Nacional de Tecnologia Eletrônica Avançada (Ceitec), uma iniciativa na área, sofreu um forte ataque durante a administração federal passada.
A exemplo da Venezuela, poderíamos contar contar com o apoio do BRICS (bloco formado por Brasil, Rússia, Índia, China e África do Sul) e do Mercosul, mas a população sofreria um forte impacto com um embargo rígido. A receita para ampliar nossa resiliência passa pela reindustrialização do país e o lançamento de políticas de incentivo à pesquisa científica e tecnológica, mas isto depende de investimentos governamentais e apoio do Congresso Nacional. Veremos quais serão os futuros passos de Luiz Inácio Lula da Silva nos próximos meses.

