Hipocrisia ambiental

Por PEDRO PAULO REZENDE

A diplomacia brasileira está profundamente desapontada com a falta de empenho dos Estados Unidos e dos países europeus em cumprir seus compromissos com a agenda ambiental. A visita do presidente Luíz Inácio Lula da Silva a Washington, em janeiro deste ano, expôs a falta de seriedade do presidente norte-americano, Joe Biden. O encontro foi agendado em novembro do ano passado em uma reunião entre o atual mandatário do Brasil e o assessor da presidência estadunidense para o meio-ambiente, John Kerry, durante a 27ª Conferências das Nações Unidas sobre Mudanças Climáticas (COP 27), realizada no balneário egípcio de Sharm El Sheik. Muitas promessas foram feitas sobre financiamentos para o Fundo da Amazônia e compra de créditos de carbono emitidos pelas nossas autoridades.

Estas promessas, durante a reunião na Casa Branca, resumiram-se a US$ 50 milhões e palavras de ordem, muito pouco diante dos US$ 30 bilhões investidos na Guerra da Ucrânia. A este total, é necessário somar US$ 24 bilhões enviados, entre 2014 e o início da Operação Militar em Donbass, para Kyiv reestruturar suas Forças Armadas. Kerry esteve no Brasil no final de fevereiro, na ocasião, prometeu muito, inclusive fortes investimentos privados na preservação da Amazônia, mas nada se concretizou. Em verdade, o Ocidente mantém um padrão duplo nas questões ambientais, com poucas exceções, como a Noruega, a Suécia, a Finlândia e o Japão, país asiático, mas ligado aos interesses militares da Organização do Tratado do Atlântico Norte (OTAN).

Um bom exemplo é a autorização dada pela administração Biden para extrair petróleo em North Slope, no Alasca, duramente criticada por ativistas ambientais. Batizado de Projeto Willow, é uma iniciativa inconsistente com as promessas do presidente Biden de liderar as ações de combate às mudanças climáticas. A ConocoPhillips vai investir de US$ 8 bilhões (cerca de R$ 42 bilhões) para a criação de cerca de apenas 2.500 empregos diretos para ampliar os suprimentos de petróleo dos EUA em 180.000 barris de petróleo por dia. Em troca, comprometerá irremediavelmente um ecossistema extremamente frágil.

Estimativas do Escritório de Gestão da Terra dos Estados Unidos indicam que ele irá gerar até 278 milhões de toneladas de CO2e ao longo dos seus 30 anos de vida útil – o equivalente a um aumento de dois milhões de carros na frota norte-americana todos os anos. A decisão abre um precedente para abrir a exploração futura de até 16 milhões de acres (aproximadamente 10 vezes o tamanho do Distri Federal) no norte do Alasca.

Falklands/Malvinas

O Reino Unido, um dos países que mais critica o Brasil, também não fica atrás. Hoje, investe pesadamente nas Falklands/Malvinas (*). A Rockhopper Exploration, empresa britânica de E&P de petróleo e gás, assinou um acordo definitivo com a Harbour Energy e a israelense Navitas Petroleum para a exploração de cinco bacias de exploração ao redor das ilhas. As reservas totais apenas na área batizada de Sea Lion abrangem uma reserva total de 520 bilhões de barris. O grande problema está em retirar estes recursos sem o apoio da República Argentina, que invadiu o território em 1982 e já afirmou que não abastecerá os navios envolvidos na retirada de recursos naturais do arquipélago.

As atividades de extração em alto mar, conhecidas como operações offshore, necessitam de apoio logístico pesado. As bacias de exploração estão em áreas de grande profundidade, abaixo de 2 mil metros, o que exige um esforço de manutenção e impõe um alto risco de acidentes. Sem a aprovação do governo argentino são grandes as possibilidades de um acidente durante a perfuração e a exploração dos poços. A base de apoio mais próxima seria a cidade de Punta Arenas, no Chile. Para transitar suprimentos e peças, os navios de suporte ainda teriam de ultrapassar águas territoriais sob o controle de Buenos Aires.

Até 2019, o governo das Falklands/Malvinas exigia garantias pesadas para os candidatos, mas isto foi derrubado durante a gestão do conservador Boris Johnson. A partir daí, as empresas passaram a usar a frágil e pequena estrutura local de Porto Argentino/Porto Stanley. Os riscos de um desastre ambiental não podem ser minimizados.

Em 2010, plataforma Deepwater Horizon da petrolífera BP explodiu no Golfo do México, causando um derramamento de 750 milhões de litros de petróleo no mar, deixando 11 mortos e o maior derramamento de petróleo da história dos Estados Unidos. O produto se espalhou pelas águas do Texas, Louisiana, Alabama, Mississipi e norte da Flórida, devastando não apenas a vida marinha, mas também as economias costeiras do sudeste do país. A empresa BP tentou conter o derramamento, mas o petróleo afetou 2.000 km de costas.

Um relatório divulgado em 2020 pela Oceana, uma das maiores ONGs para a conservação dos mares, diz que nos cinco anos seguintes à explosão, a população de baleias Bryde diminuiu 22% e que algumas populações de peixes, camarões e lulas desapareceram em 85%. Também morreram 800.000 aves, 170.000 tartarugas e mais de 8 milhões de ostras. Estima-se que a indústria da pesca perdeu US$ 1 bilhão e a do turismo mais de US$ 500 milhões. Hoje, até 60 milhões de galões de petróleo permanecem no meio ambiente.

É importante ressaltar que um acidente nas Falklands/Malvinas afetaria a Antártida, continente protegido por acordos internacionais e sob regime especial da Organização das Nações Unidas.

Interesse antigo

O Reino Unido sempre quis explorar petróleo nas Ilhas Falklands/Malvinas e este interesse é anterior ao conflito de 1982. Documentos desclassificados mostram que Londres planejava investir desde 1975. Um funcionário do Departamento de Energia escreveu: “Nossos ministros estão muito interessados na possibilidade de explorar petróleo offshore em torno das Ilhas.”

Antes da guerra das Falklands/Malvinas, o Reino Unido defendeu vigorosamente sua reivindicação de reservas potenciais de petróleo ao redor das ilhas. O Reino Unido protestou formalmente quando a Argentina encomendou pesquisas sísmicas na costa argentina no início de 1977. Em reação, o governo britânico adotou o mar territorial de 200 milhas. Um funcionário do Departamento de Energia escreveu que “a pior coisa seria não fazer nada, pois isso poderia levar a desistirmos, sem sequer um sussurro, do título de qualquer óleo que possa estar sob o mar fora da linha dos 200 metros (de profundidade).”

Em julho de 1980, o governo de Margaret Thatcher manteve conversações secretas com a Argentina e propôs um acordo de leaseback, pelo qual a soberania das ilhas seria transferida para a Argentina, mas depois arrendada de volta para o Reino Unido. Enquanto os ministros consideravam a ideia, o secretário de energia, David Howell, escreveu ao secretário de Relações Exteriores, Lord Carrington, em 5 de fevereiro de 1980, dizendo: “Espero (…) que você não perca de vista a manutenção do acesso do Reino Unido a qualquer petróleo ou gás que possa ser encontrado nas águas das Ilhas Falklands (Malvinas).”

Ele repetiu esse apelo em uma carta a Thatcher no final daquele mês. O comitê de política externa e de defesa do gabinete, que incluía Thatcher, concordou em 7 de novembro de 1980 em buscar a aprovação dos ilhéus para um acordo de arrendamento.

O governo britânico protestou novamente em 1981, quando a Argentina leiloou mais licenças de exploração. Um funcionário do Ministério das Relações Exteriores escreveu: “Devemos manter que qualquer petróleo na plataforma continental das Ilhas Falklands/Malvinas é britânico.”

Mais poluição

Em 30 de janeiro, o chanceler federal da Alemanha, Olaf Scholz, visitou o Brasil. O presidente Lula e o chefe do gabinete germânico decidiram relançar a parceria estratégica entre Brasil e Alemanha, fortalecendo a cooperação no enfrentamento dos desafios globais, destacando-se a promoção da paz e segurança, a expansão das energias renováveis, o combate às alterações climáticas e o combate à pobreza. Também enfatizaram a necessidade de uma transformação socialmente justa, inclusiva e ecológica das economias, com base na Agenda 2030 e nos objetivos de desenvolvimento sustentável. O que não se discutiu na ocasião, foi, que naquele momento, uma aldeia chamada Lützerath lutava para não ser erradicada do mapa para dar lugar a uma mina de linhita, um tipo de carvão extremamente poluente.

A gigante de energia RWE vai retomar as atividades de mineração deverão ser retomadas nos próximos meses para atender à demanda energética ligada à crise de abastecimento que atingiu a Alemanha após a invasão da Ucrânia pela Rússia. Milhares de manifestantes, entre eles a ativista climática sueca Greta Tünberg, juntaram-se aos habitantes da aldeia para protestar contra a destruição do pequeno centro urbano. Desde o fim da Segunda Guerra Mundial, cerca de 300 cidades na Alemanha foram demolidas para a mineração de linhita, levando ao reassentamento de mais de 120 mil pessoas.

Segundo a Deutsche Welle, a 200 metros de distância de Lützerath está Garzweiler 2, a mina de carvão a céu aberto mais controversa da Europa. Há décadas, escavadeiras gigantescas extraem linhita em uma área de 80 quilômetros quadrados. Mais de 20 vilarejos da região foram destruídos para dar lugar à mineração. Globalmente, o mineral ainda é a maior fonte global de geração de eletricidade, bem como a maior fonte de dióxido de carbono.

A Alemanha pretendia se tornar neutra em carbono até 2045. Ao aderir ao embargo ao gás natural russo em apoio à Ucrânia, o país contrariou seus compromissos ambientais e decidiu apostar nas usinas termelétricas a carvão e estender as áreas de produção. Desta forma, o país ultrapassará as metas de emissões de CO2 firmadas com a Organização das Nações Unidas no Acordo de Paris para manter a elevação da temperatura global em, no máximo, 1,5 ºC.

Ou seja: enquanto prometia apoiar o Brasil na defesa ambiental, Scholz apostava na ampliação do efeito estufa em casa. Ah, para finalizar, os recursos alemães prometidos durante a viagem ao Brasil não se concretizaram.

(*) O Arsenal segue as normas diplomáticas do Ministério das Relações Exteriores do Brasil e coloca os nomes dos territórios em litígios nos idiomas dos Estados interessados por ordem alfabética