por Alexander Dugin
Tradução e edição: Prof. Dr. Arthur Nadú Rangel

O hegelianismo de esquerda de Marx
A Quarta Teoria Política, ao reconhecer as suas estruturas preliminarmente delineadas, poderia tornar-se mais sistemática e detalhada ao examinar algumas doutrinas, escolas e figuras fundamentalmente importantes para a filosofia política. Por exemplo, consideremos Hegel.
Em primeiro lugar, deve-se notar que o sistema de Hegel recebeu uma interpretação bastante desenvolvida no contexto de três teorias políticas, que a Quarta Teoria Política pretende transcender.
O mais detalhado desenvolvimento (mas ao mesmo tempo mais distorcido) de Hegel ocorreu no contexto da Segunda Teoria Política, no marxismo. Marx criou o seu próprio sistema baseado em Hegel, adoptando passos e métodos fundamentais para justificar a sua própria filosofia política. Em certo sentido, todo o marxismo é uma interpretação de Hegel. Portanto, a filosofia de Hegel não é apenas um objeto externo a ser considerado na ótica da Segunda Teoria Política, mas constitui uma dimensão essencial dentro dela. O marxismo deixa o hegelianismo.
No entanto, uma diferença principal aqui é a rejeição da afirmação principal de Hegel sobre o espírito subjetivo, sobre a Idéia original – ainda oculta e desconhecida (ainda não atualizada). Por isto, o Hegel cristão significa Deus. E precisamente esta entidade original (a tese principal de todo o sistema) explica tudo o resto na teoria geral de Hegel.
O ateu e materialista Marx descarta este momento “idealista” e proclama como primeiro princípio o que era o segundo princípio para Hegel – a Natureza. Para Hegel, a Natureza é o resultado da negação da Idéia, uma negação[1]. E todo o conteúdo ontológico da Natureza é que ela é a negação do espírito subjetivo, a sua suprassunção[2]. Mas a suprassunção não é a destruição completa[3]. O espírito dorme na Natureza, e isso explica o próprio devir (das Werden). É precisamente pela atuação do espírito na Natureza que Hegel explica a transição do nível mecânico para o químico e orgânico. A vida é uma manifestação deste espírito – suprassumido na Natureza (como ele mesmo), mas presente como outro. Além disso, Hegel compreende especificamente as fases-chave da existência histórica, desde o desenvolvimento da sociedade civil até à fase final de formação de novos tipos de Estados como as monarquias constitucionais, com o despertar do espírito.
Com Marx tudo começa pela Natureza e, como Spinoza, ele é obrigado a atribuir-lhe primazia em relação à consciência. A teoria da evolução de Darwin ajuda Marx nisso. Nenhum começo transcendente é mais afirmado, embora Marx tome emprestada de Hegel a lógica de descrever o devir e a transição da Natureza para a história. No entanto, a distorção do modelo principal da filosofia de Hegel afeta não apenas o início do seu sistema, mas também o seu fim. Para Hegel, a história mundial é o despertar do espírito adormecido. E esse despertar se intensifica, atingindo o que Hegel chama de reino da moralidade (Sittlichkeit). Aqui, ele novamente distingue uma tríade dialética: família – sociedade civil burguesa – Estado. E no estado ele vê a aproximação do desdobramento do espírito mundial à sua forma absoluta. O Estado, como expressa Hegel, “é o caminhar de Deus na Terra”.
Obviamente, para o Marx materialista, o Estado não pode possuir tal ontologia e tal estatuto teleológico. Portanto, Marx para na sociedade civil, e por “Estado” ele entende o que Hegel considerava os ‘velhos Estados’ em oposição aos novos Estados, monarquias constitucionais, que, segundo a lógica de Hegel, deveriam ser estabelecidas depois que a sociedade civil alcançasse o momento de consciência-de-si[4] e decide pela superação. A sociedade civil de Hegel é a negação da família como primeiro momento de entrada no reino da moralidade. O estabelecimento de uma monarquia constitucional é a negação da negação, ou seja, a síntese. No momento de superação e prontidão para estabelecer um Estado, a sociedade civil em Hegel se transforma em povo (Volk).
Marx não concebe um tal Estado “ideal” – ele permanece focado na sociedade civil. Deste lado, Marx introduz o conceito de classe, que Hegel não aborda, e prioriza a “luta de classes”. Embora Marx mais uma vez tome emprestado de Hegel o papel do conflito (Widerstreit, Kampf) como força motriz na história, ele prevê que a sociedade civil (igualada ao capitalismo) se torne global. Neste processo de globalização, os velhos Estados serão abolidos. À medida que o capitalismo se torna num fenómeno global, as contradições de classe acumuladas conduzirão a uma crise sistémica e a uma revolução mundial. O proletariado tomará o poder e a estrutura da sociedade civil será invertida numa perspectiva de classe – o poder não estará mais nas mãos do capital (burguesia), mas nas mãos dos trabalhadores, após o que uma sociedade sem classes será estabelecida. Contudo, não haverá mais um Estado como tal, nem haverá nações. Segundo Marx, o “fim da história” é uma sociedade comunista, concebida como inteiramente internacional.
Neste quadro hegeliano de esquerda, há muitas nuances e correntes, mas em geral, Hegel, no contexto da Segunda Teoria Política, aparece precisamente de uma forma tão distorcida, truncada e, em comparação com o pensamento do próprio Hegel, pervertida.

Stálin e Hegel
Outro aspecto é a refração do hegelianismo de esquerda na prática histórica. Aqui, é essencial considerar separadamente as experiências históricas da URSS e da China comunista. O estalinismo e o maoismo, embora formalmente construídos sobre os modelos do marxismo e da ideologia proletária, representavam na prática sistemas políticos muito mais próximos do próprio hegelianismo. Sem esperar pela vitória final do capitalismo à escala global e pela expansão da sociedade civil, a Rússia Soviética sob Stalin e depois a China Comunista sob Mao começaram a construir Estados pós-civis, onde o foco estava na construção do Estado, e a teoria de classes apenas facilitou a industrialização e urbanização aceleradas (e muitas vezes forçadas) da população anteriormente agrária. Assim, a Rússia Soviética e a China Comunista seguiram um caminho mais próximo de Hegel e mais alinhado com a Terceira Teoria Política do que com o marxismo clássico.
Hegel e o Liberalismo (A Sociedade Civil)
A Primeira Teoria Política oferece duas relações diferentes com Hegel. Dado que Hegel considera necessário superar a sociedade civil, isto é, a democracia liberal[1] e o capitalismo, vários pensadores liberais propõem rejeitar radicalmente Hegel como um autor inaceitável e irrelevante. Karl Popper acreditou nisso e desenvolveu seu pensamento detalhadamente em A sociedade aberta e seus inimigos (The Open Society and Its Enemies). Aqui, Hegel é reconhecido como um “inimigo da sociedade aberta” e uma figura que apela à superação do Iluminismo. A visão liberal, porém, considera a sociedade civil o ápice do processo histórico. O Estado aqui é apenas um fenômeno temporário. O próprio Hegel chamou tal interpretação do Estado de Notstaat “um Estado de carecimentos[2]” ou um Estado externo (äußerer Staat). Não tem significado, não tem ontologia e é um Estado de transição entre a “barbárie”, a “escuridão da Idade Média” e a sociedade civil. À medida que a sociedade se torna esclarecida, a necessidade de tal Estado desaparecerá. Esta é a tese principal do liberalismo nas relações internacionais. Popper e aqueles que o seguem (bem como positivistas como B. Russell) rejeitam Hegel em todas as interpretações, deixando a sua filosofia ser interpretada pela esquerda e pela direita.
A segunda abordagem liberal de Hegel tenta interpretar o seu sistema e, acima de tudo, a sua teleologia numa chave liberal. Isto é mais evidente em Alexandre Kojève, que se interessou por Hegel entre os marxistas, mas propôs uma interpretação liberal da sua filosofia. Segundo Kojève, o fim da história será a sociedade civil e não o Estado (que ele considerava um Estado intermediário). Kojève abandonou a abordagem de classe de Marx, resultando no triunfo da civilização capitalista como objetivo do processo histórico. Francis Fukuyama pegou emprestado este conceito de Kojève, interpretando o colapso da URSS e o início do “momento unipolar” sob esta luz. Essencialmente, uma dialética hegeliana grosseiramente distorcida foi colocada ao serviço do globalismo. Obviamente, tal interpretação de Hegel no contexto da Primeira Teoria Política só foi possível através da violência sobre o próprio sistema de Hegel, não inferior (se não maior) do que no caso Maxista. É também uma interpretação ateísta baseada na negação da tese principal de Hegel sobre o espírito subjetivo. Notavelmente, tal hegelianismo liberal (característico de alguns trotskistas e neoconservadores americanos) foi formulado por ex-comunistas, geneticamente ligados à interpretação esquerdista de Hegel. Separadamente estão os hegelianos liberais, como Benedetto Croce, que propôs uma versão puramente estética da interpretação de Hegel, rejeitando a sua doutrina do Estado. Na Rússia, no século XIX, havia uma escola de hegelianos liberais (K. D. Kavelin, B. N. Chicherin, A. D. Gradovsky etc.) que entendiam a filosofia de Hegel como uma justificativa do constitucionalismo em oposição ao sistema autocrático então existente na Rússia. Eles não estavam interessados na ontologia do próprio Estado

O Hegelianismo de direita
A interpretação de Hegel no contexto da Terceira Teoria Política estava muito mais próxima do original. Especificamente, o hegelianismo foi fundamental para a teoria política do fascismo italiano. Giovanni Gentile, um hegeliano, foi o principal ideólogo do regime de Mussolini. Neste caso, a doutrina do Estado adquiriu uma ontologia própria. A teoria fascista reconheceu a necessidade de superar a sociedade civil em favor de uma nação política. O símbolo romano das Fasces dos Lictores, representando um feixe de varas, ou seja, a solidariedade e a unidade dos diferentes estratos da sociedade romana, simbolizava este novo Estado.
Contudo, o capitalismo durante o período fascista de vinte anos (Ventennio) não foi superado. O fascismo deu continuidade à tradição do Risorgimento iniciada por nacionalistas de esquerda liberal, como o jacobino Mazzini, e praticamente implementada pelo monarquista liberal Camillo Cavour. A ideia era construir um estado unificado na Itália baseado em entidades políticas desarticuladas, principados, autonomias etc.
No Fascismo e na teoria Gentile estas tendências atingiram o seu ápice e, no espírito de Hegel, transformaram-se na superação da sociedade civil e na criação de um Estado corporativo.
No entanto a principal ideia de Hegel era o estabelecimento consciente de uma monarquia constitucional pela sociedade civil através de sua suprassunção[1]. A monarquia foi o momento principal aqui, pois o monarca singular ocupou o topo do Estado hierárquico, substituindo a tríade liberal de poderes – o poder judicial. Hegel – no espírito de Cícero – acreditava que num Estado real de todas as três formas políticas de poder identificadas por Aristóteles que deveriam estar presentes:
- Monarquia (o poder de um, no qual o Espírito é personificado)
- Aristocracia (que ele associou ao governo e ao poder executivo)
- Político (representada pelo parlamento)
Hegel entendia a constituição como a expressão da vontade histórica consciente da sociedade civil de estabelecer livre e ponderadamente um princípio monárquico acima de si mesma. A monarquia é especificamente estabelecida, e não apenas preservada.
Na Itália, o papel do rei Victor Emmanuel II foi mantido fora da inércia e não foi dotado com nenhum conteúdo. O verdadeiro poder estava nas mãos de Benito Mussolini, cujo papel não estava claramente definido de forma dogmática e constitucional.
Entretanto, a Itália fascista manteve em grande parte as estruturas do capitalismo económico e as noções individualistas sobre a natureza do homem, características da sociedade civil. Assim, após a ocupação americana, os italianos reverteram facilmente ao paradigma liberal. Os italianos nunca se tornaram um povo no sentido hegeliano; as relações burguesas foram preservadas e, depois de 1945, tornaram-se novamente dominantes.
Na Alemanha, nas décadas de 1920 e 1930, também se desenvolveu uma escola hegeliana, interpretando a doutrina de Hegel no espírito da Terceira Teoria Política – Julius Binder, Karl Larenz, Gerhard Dulckeit. Mas o foco dos nacional-socialistas para a “raça” distorceu a coerência do pensamento hegeliano, que conceituava o povo (Volk) sem qualquer referência à biologia ou à genética, pois o povo era, segundo Hegel, um momento de autoconsciência do Espírito. No domínio da moralidade, onde quaisquer predeterminações biológicas foram totalmente e irrevogavelmente suprimidas. Os hegelianos alemães não poderiam ter interpretado mal este conceito mas foram forçados a ajustar a sua filosofia às exigências da liderança nazistas.
Entretanto, a monarquia alemã, liderada por Guilherme II, foi abolida durante a República de Weimar e nunca foi restaurada por Hitler depois da chegada dos nazistas ao poder. Os seus poderes ditatoriais e o estatuto carismático de “Führer” não receberam pleno desenvolvimento jurídico e constitucional – apesar dos desenvolvimentos teóricos significativos nos modelos jurídicos e constitucionais por parte de filósofos alemães, especialmente Carl Schmitt. Assim, mesmo no contexto da Terceira Teoria Política, o sistema de Hegel e a sua compreensão do Estado e do povo foram fundamentalmente distorcidos.
Nossa análise leva a duas conclusões importantes:
- O hegelianismo teve uma influência significativa nas três teorias políticas da modernidade ocidental, principalmente no século XX;
- No entanto, em cada uma das três, fora fundamentalmente distorcido, por vezes ao ponto de ser irreconhecível.
É aqui que deve começar a leitura de Hegel no contexto da Quarta Teoria Política. Tal interpretação poderia simplesmente ser um seguimento direto do próprio Hegel, sem adaptar a sua teoria a quaisquer exigências ideológicas externas. As interpretações liberais e comunistas de Hegel devem ser descartadas principalmente porque nenhuma delas valoriza adequadamente a verdadeira ontologia espiritual do Estado. Em vez disso, operam ou com a sociedade civil como tal, acabando como puro individualismo (uma abordagem radical que os globalistas modernos acabaram por adoptar para destruir a família), ou com uma versão baseada em classes, que na prática conduz aos mesmos resultados que o liberalismo (marxismo cultural, hiperinternacionalismo). Entretanto, os esquerdistas clássicos descartaram o estalinismo ou o maoísmo, onde o Estado desempenha um papel mais significativo.
O hegelianismo de direita está historicamente mais próximo de Hegel, mas é diminuído, distorcido e não totalmente desenvolvido para suas conclusões lógicas. Onde entra em jogo o nacionalismo burguês, que não ascende à monarquia constitucional, e especialmente o racismo biológico, que nega completamente a natureza moral do Estado (aspecto fundamental para Hegel), o desvio do sistema hegeliano torna-se ainda mais evidente.

Assim, a renúncia a todas as três teorias políticas clássicas da modernidade ocidental possibilita o nosso acesso ao verdadeiro Hegel – ao Hegel autêntico e consistentemente lógico que ele era em si mesmo – para além das interpretações ideológicas.
Assim, a Quarta Teoria Política pode basear-se numa leitura pura de Hegel e facilmente descartar todas as interpretações distorcidas.
Ao mesmo tempo, temos repetidamente enfatizado que o tema da Quarta Teoria Política deve ser considerado o Dasein de Heidegger ou o povo (Volk) na sua expressão existencial. O povo não como nação, não como um conjunto de indivíduos atômicos (e podemos acrescentar: não como um ecúmeno de famílias no sentido hegeliano), mas o povo como um momento de desenvolvimento da autoconsciência do Espírito. Aqui, a estrutura substancial e detalhada de leitura de Hegel de Heidegger vem em nosso auxílio. Aqui, o ponto de partida pode ser a interpretação geral de Hegel no contexto da filosofia de Heidegger, mas especialmente os materiais para as palestras e seminários sobre a “Filosofia do Direito” de Hegel, que Heidegger conduziu em 1934-35. Lá, Heidegger realmente dá uma interpretação da doutrina hegeliana do Estado e do direito, tentando ficar o mais próximo possível do original e reconhecendo Hegel como a coroa do pensamento filosófico da Europa Ocidental, completando uma longa jornada iniciada pelos pré-socráticos, Platão e Aristóteles.
Segundo Heidegger, o Estado hegeliano é o ser (Seyn) em relação ao que aparece como Dasein, ou seja, o povo, por sua vez, sendo um momento de suprassunção da sociedade civil. Na sociedade civil, percebendo-se como um indivíduo imerso em interações sociais, mas agindo e existindo com base na autoconsciência racional desenvolvida, uma pessoa passa a compreender sua individualidade não como liberdade, mas como pura abstração e, portanto, unilateral e limitada; o indivíduo toma uma decisão consciente e volitiva de rejeitar a identidade civil em favor do Dasein, ou seja, do povo. E neste movimento muito espiritual, o povo estabelece (constitui) uma monarquia constitucional. Nesta monarquia manifesta-se a compreensão e expressão ontológica fundamental, a ação do ser (Seyn). Somente o Dasein legitimo é capaz de criar um Estado autêntico (Estado hegeliano). Assim, o Estado metafísico de Espírito de Hegel recebe o fundamento existencial no povo, entendido como o Dasein de Heidegger. Especificamente através de Heidegger, que pode ser considerado um dos principais autores que conduziram à Quarta Teoria Política, podemos abordar tal interpretação de Hegel, que fica excluída enquanto permanecermos no contexto das três ideologias convencionais.

Neste caso, torna-se clara a ênfase que o próprio Hegel coloca em todo o seu sistema: a verdadeira liberdade pertence apenas ao Estado. Isto significa que servir o Estado não é uma renúncia à liberdade, mas sim um caminho para ela. A renúncia, na verdade, ocorre a partir do individualismo, que é apenas uma aparência de liberdade e até mesmo um obstáculo dialético no caminho para ela.
Heidegger, refletindo sobre diferentes aspectos do pólo substantivo de vários momentos da sociedade na ‘Filosofia do Direito’, chega a uma hierarquia muito importante:
- O sujeito do direito abstrato é a pessoa (persona);
- O sujeito da moralidade (na compreensão kantiana de Hegel, como liberdade das estruturas rígidas e dos papéis da lei abstrata) — o indivíduo;
- O sujeito da família — o membro da família, o chefe de família em economia;
- O sujeito da sociedade civil – o burguês, o cidadão.
Mas quando se trata do Estado e do povo, o assunto – pela primeira vez! – torna-se o humano (Mensch). Nunca antes a natureza do homem – cuja fonte é precisamente a liberdade (vontade) – foi totalmente revelada; apenas elos da cadeia que conduz ao homem como meta. Um humano é plenamente humano apenas com as pessoas e no Estado. Antes disso, estamos tratando do adormecer do Espírito, embora menos profundo que o da Natureza. Mas ainda assim, até que o povo se manifeste – e principalmente no ato de estabelecer uma monarquia constitucional – não existe ser humano como tal. Não ainda. E é aqui que se localiza o Dasein de Heidegger.
Assim, todo o sistema de Hegel, e especialmente sua “Filosofia do Direito”, correlaciona-se melhor com a Quarta Teoria Política.
A única coisa que deve ser mencionada separadamente é a ligação orgânica e espiritual de ambos os grandes pensadores – tanto Hegel como Heidegger – com o destino e a ontologia da história alemã, com o povo alemão e o Estado alemão. Isto determina a sua perspectiva sobre a história mundial e a identidade de outros povos – ocidentais e não ocidentais. A história alemã está intimamente ligada não apenas ao cristianismo da Europa Ocidental em geral, mas particularmente ao protestantismo, um ramo que considerava o catolicismo como historicamente transcendido, enquanto a ortodoxia era em grande parte não reconhecida e não contemplada seriamente por eles. Tudo o que Hegel e Heidegger escrevem está diretamente relacionado ao povo alemão e à história da Europa Ocidental. Este etnocentrismo deveria ser levado em conta. Através dela e com certo fundamento, passam para princípios mais gerais. A distinção entre o universalismo alemão (e anteriormente grego, latino e ocidental mais amplo) e o universalismo geral é frequentemente ignorada. De uma perspectiva externa, especialmente quando se consideram civilizações não-ocidentais que foram reinterpretadas pelos tradicionalistas como René Guénon, e particularmente através das lentes da história russa que se moveu em direções paralelas, perpendiculares ou mesmo opostas; a visão centrada na Alemanha destas filósofos parece mais relativo do que se presumiam. Hegel foi reconhecido e apreciado pelos filósofos eslavos russos, pelos filósofos religiosos russos e pelos intelectuais da Idade da Prata russa, que sugeriram a aplicação do sistema de Hegel a uma civilização diferente – a Rússia e o seu povo e Estado. Reinterpretamos Heidegger de forma semelhante, exigindo uma mudança do seu eurocentrismo e germanocentrismo para um conceito de múltiplos Daseins. Ao reavaliar esta postura etnocêntrica que também é apoiada pela trajetória histórica da Alemanha após duas tentativas fracassadas que levaram ao colapso de sua sociedade civil e à perda de liberdade e soberania criamos um modelo mais abrangente para análise política dentro da Quarta Teoria Política e a Teoria de um Mundo Multipolar.
Texto original publicado dia 02/01/2024: https://www.arktosjournal.com/p/hegel-and-the-fourth-political-theory
[1] NT – Original: overcoming itself
[1] NT: Referente ao Estado liberal Kantiano;
[2] NT: Original: a state of necessity
[1] NT: a palavra original é antithesis (argumento negativo), ao traduzir optamos por utilizar a leitura de Henrique Claudio de Lima Vaz no sistema dialético hegeliano.
[2] NT: Original Sublation.
[3] NT: Observando que a dialética Hegeliana observa o fato e a sua negação e os suprassume sem perder nenhum conteúdo em um pensamento mais elevado que contém em si coisa e a sua negação como um todo.
[4] NT: Original self-overcoming.


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