Por Pedro Paulo Rezende
A Força Aérea Brasileira (FAB) não irá se desfazer dos helicópteros de ataque AH-2 Sabre (Mil Mi-35M, na terminologia original) adquiridos da Federação Russa em 2010 e desativados no ano passado por decisão do então comandante da Aeronáutica, tenente-brigadeiro do Ar Carlos Baptista Jr. Segundo uma fonte diplomática, eles permanecerão estocados no Parque de Lagoa Santa, em Minas Gerais, e uma decisão final só será tomada após o conflito da Ucrânia em comum acordo com o país exportador, dentro das regras internacionais que controlam o uso final de material militar.
A bem da verdade, boa parte dos militares que voaram os AH-2 no 2º/8º Grupo de Aviação (Esquadrão Poti, localizado em Porto Velho) gostaria de vê-los novamente em operação. Um ex-comandante da unidade afirma que o helicóptero é extremamente confiável, fácil de manter, barato para operar e perfeitamente adequado para missões contra o tráfico de drogas. Para trocar um motor, é necessário apenas dez minutos, uma grua e um pneu para servir de suporte para o conjunto no solo. O custo de hora-voo, segundo o oficial, estaria na casa de US$ 5 mil.
Tudo para dar errado
A compra dos AH-2 ocorreu no final da gestão do tenente-brigadeiro do Ar Luiz Carlos da Silva Bueno. Ao contrário do que se espalhou pela internet, eles vieram sem nenhuma compensação comercial — não havia restrição sanitária na Rússia para a carne brasileira, como conta o folclore. A negociação não ocorreu de governo a governo. Dois intermediários participaram das conversas: o major-brigadeiro da reserva Wilson Romão, representante da Rosoboronexport, e o paquistanês Shehzad Shaikh, dono do badalado restaurante moscovita Gandhara.
Romão negociava a venda de 24 helicópteros de transporte Mil Mi-171 com a Aeronáutica brasileira, mas o negócio atraiu a atenção das federações das Indústrias de Minas Gerais (FIEMG) e de São Paulo (FIESP). Uma ação coordenada por Jairo Cândido, então diretor-geral do Conselho de Indústria de Defesa e de Segurança de São Paulo, conseguiu interferir junto à Presidência da República. O resultado foi um projeto para aquisição de 47 helicópteros de transporte para as três Forças Armadas batizado de Programa H-XBR. O Airbus H-225 Caracal foi selecionado para ser montado na Helibras (empresa localizada em Itajubá, em Minas Gerais). Boa parte da estrutura, hoje, está nacionalizada.
O Mil Mi-35M, assim, pode ser visto como um prêmio de consolação para o brigadeiro Romão. Inicialmente, os doze aparelhos seriam originários dos estoques estratégicos da ex-União Soviética. As células viriam de um lote adquirido pelo Reino da Jordânia que agiu como testa de ferro do governo iraquiano, na época encabeçado por Saddam Hussein. A ideia era contornar o embargo decretado pela Organização das Nações Unidas (ONU) desde a Guerra do Golfo (1991), mas o esquema foi descoberto e o governo da Federação Russa embargou a venda. Pouco depois, o Iraque foi invadido por uma coalizão comandada pelos Estados Unidos.
Mas deu certo
O pacote não incluía manutenção. Em compensação, Shehzad Shaikh tinha bons contatos junto ao governo paquistanês e conseguiu atrair o interesse dos militares do país asiático para dois projetos da Mectron: o míssil antirradiação MAR 1 e o míssil MAA-1 para combate aéreo (ambos descontinuados pela FAB). Os helicópteros vieram com uma suíte completa de armas de ataque ao solo além do canhão de 23mm de alta cadência fixado a uma torreta móvel sob o seu nariz. Os mísseis antitanque 9M120 Ataka podem penetrar 800 mm de blindagem a um alcance máximo de 6 km. A aeronave também podia levar até quatro casulos lança-foguetes não-guiados de 80mm.
As células dos estoques estratégicos na Rússia são armazenadas ao ar livre sem motores, partes elétricas e aviônicas. A ideia, caso sejam necessárias, é recheá-las com o equipamento mais moderno em curto prazo. O maior problema, no entanto, está em estacionar lotes de fabricantes diferentes juntos. No caso brasileiro, os dois primeiros lotes de três unidades foram produzidos em duas linhas diferentes e não são compatíveis entre si. Este problema foi resolvido por interferência direta do presidente da Federação Russa, Vladimir Putin, que determinou que os dois lotes seguintes seriam novos e construídos pela Rostvertol na Fábrica JSC de Kazan.
O índice de disponibilidade da frota, mesmo sem uma manutenção adequada (dois mecânicos russos foram transferidos pela Rostvertol para Porto Velho), ultrapassava 70%, o mais alto da FAB, uma boa mostra da rusticidade do projeto. Em 2017, a Rostvertol assinou um acordo com a IAS – Indústria de Aviação e Serviços para realizar a manutenção completa da frota. A iniciativa surgiu diante da necessidade de uma revisão profunda nas seis aeronaves do primeiro e segundo lotes por tempo de uso.
O procedimento contratado pela Aeronáutica junto à IAS para ser feito na fábrica de Kazan, colocaria os equipamentos no padrão dos terceiro e quarto lotes e implicaria na troca dos motores VK2500, na substituição das caixas de transmissão e dos rotores ao custo unitário de US$ 8 milhões. O brigadeiro Baptista Júnior, que tentou comprometer a FAB com um segundo lote de caças suecos SAAB F-39E Gripen E, preferiu desativá-los no ano passado.
A multa rescisória é alta (cerca de 25% do valor) e pode atrair a atenção do Tribunal de Contas da União (TCU). O Esquadrão Poti, por enquanto, continua à espera de uma solução, mas muitos ainda sonham com a volta dos AH-2: feios, brutos e malvados. A verdade é que, até o fim do conflito, eles ficarão em Lagoa Santa e não serão repassados a nenhum interessado, russo, ucraniano ou qualquer outro pais.

