Cobeligerância radical

Por PEDRO PAULO REZENDE

A declaração do presidente da República Francesa, Emmanuel Macron, no sentido de que o envio de tropas para ajudar o regime de Kyiv, comandado por Volodimir Zelensky, não poderia ser descartado é mais um indicador do desejo europeu de se envolver de maneira direta na guerra entre a Federação Russa e a República da Ucrânia. Seria o último passo rumo a um conflito aberto contra Moscou desde que a guerra se iniciou em 24 de fevereiro de 2022.

De lá para cá, todas as formas de envolvimento indireto do Ocidente já foram testadas: o envio de mercenários, sanções econômicas, cobeligerância digital por meio de hackers e o envio farto, mas pouco efetivo no geral, de equipamentos militares de todos os tipos, de armas leves a carros de combate.

O chefe de Estado francês conversou com a imprensa na última segunda-feira, 26 de fevereiro, depois de uma reunião de cúpula com 20 chefes de Estado em Paris. A fala contraria o Estatuto da Organização do Tratado do Atlântico Norte (OTAN) e aumentaria o risco de um conflito nuclear. O presidente russo, Vladimir Putin, alertou para a gravidade das afirmações de Macron.

O porta-voz do Kremlin, Dmitry Peskov, afirmou que o conflito com a Rússia seria inevitável se as nações ocidentais enviassem tropas para a Ucrânia. O ministro da Defesa da França, destacou que a declaração não era sinal de escalada da participação europeia no conflito. Apesar disto, os países integrantes da Aliança Atlântica, inclusive os Estados Unidos, fizeram questão de demonstrar que não compartilhavam da posição de Macron, que, no início, teve alguma receptividade da delegação polonesa.

A Polônia, durante a cúpula, afirmou que pretendia ampliar seus investimentos militares de 4,5% para 9,45% do Produto Interno Bruto do país. Na reunião, o primeiro-ministro Donald Tusk manifestou apoio a Macron, mas recuou, depois da reação do Kremlin. Ele enfrenta forte oposição dos agricultores poloneses que reagem à passagem de grãos ucranianos exportados para a Europa, a preço vil, através do território nacional e o envio de tropas para ajudar Kyiv seria mais uma afronta aos seus eleitores.

É importante ressaltar que o presidente russo inúmeras vezes manifestou sua posição de não estender o conflito a outros territórios, principalmente a Polônia e os países bálticos.

Aposta pesada

A ideia de Macron apenas mostra o desespero da Aliança Atlântica que apostou pesado contra a Federação Russa e, até agora, só colheu fracassos. Os países ocidentais acreditavam que iriam quebrar o país por meio de milhares de sanções. Em lugar disto, a economia resistiu e voltou a crescer. De acordo com previsões do Fundo Monetário Internacional (FMI), o país apresentará o maior crescimento da Europa com o menor índice de desemprego graças à reativação do complexo industrial e agrícola herdado da União Soviética.

Enquanto isto, a República Federal da Alemanha, locomotiva da União Europeia, patina e sofre processo de estagflação, que inclui altos índices de inflação somados a estagnação econômica. A Aliança Atlântica acreditava que a ofensiva ucraniana de verão traria grandes resultados e ganhos territoriais contra a Rússia. Para isto, empenhou ou toda a reserva de equipamento militar que dispunha ao regime de Kyiv. No processo, esvaziou os arsenais nacionais, mas as expectativas foram frustradas.

Razões para o fracasso

Vários fatores contribuíram para o fracasso: a proclamada superioridade técnica ocidental não se comprovou na prática; apesar de incluir toda a reserva de material militar disponível, a oferta não conseguiu cobrir a superioridade industrial russa e, por último, incompetência tática e mau uso do material humano ucraniano, com mais de 450 mil baixas. Hoje, homens com mais de 50 anos comandam pelotões na linha de frente.

A ausência de material humano estaria por trás da declaração perigosa de Macron. Equipes de recrutadores chegam a invadir saunas para encontrar “voluntários” para as unidades que combatem contra as forças russas. Para piorar a situação, Moscou executa, no momento, uma ofensiva de inverno com resultados expressivos no instante em que os Estados Unidos paralisaram seus envios de equipamento militar e de dinheiro graças a uma paralisia do Congresso.

O projeto de ajuda militar do presidente norte-americano, Joe Biden, do Partido Democrata, encontra resistência na Câmara dos Representantes, de maioria republicana. Os deputados de oposição querem maiores investimentos contra a entrada de imigrantes ilegais pela fronteira com o México. Eles alegam que o contingente serviria para ampliar o curral eleitoral do governo na campanha presidencial de novembro próximo.

O discurso não é verdadeiro, são muitos os obstáculos para se registrar um eleitor, principalmente de origem estrangeira, mas cai de maneira agradável entre os partidários de Donald Trump, na maioria pouco letrados e xenófobos. Biden ainda enfrenta problemas pelo apoio irrestrito a Israel, que realiza limpeza étnica na Faixa de Gaza com bombardeios indiscriminados contra a população civil.

Os Estados Unidos são a maior fonte de ajuda ao regime de Kyiv e a situação das forças ucranianas, no momento, se aproxima do caos. Falta material, munição e gente para servir de carne de canhão. Zelensky sonha com tropas europeias em seu país, mas o mais provável é que a OTAN continue disposta a combater até o último ucraniano.