Por PEDRO PAULO REZENDE
Uma pergunta surgiu quando o presidente dos Estados Unidos, Joe Biden, desistiu da campanha eleitoral para se reeleger ao cargo: ele está apto a continuar no comando da maior potência militar da atualidade? O atual chefe de Estado norte-americano apresentou sinais claros de senilidade ao chamar, em um comício, a vice-presidente Kamala Harris de Donald Trump, seu adversário na disputa pela Casa Branca. A indagação é mais que pertinente, uma vez que o mundo enfrenta diversos desafios de segurança causados pela administração estadunidense na África, na Ásia, na Europa e no Oriente Médio.
Os Estados Unidos, como maior sócio, lidera as decisões da Organização do Tratado do Atlântico Norte (OTAN) — aliança criada há 75 anos que reúne, hoje, 32 países europeus e da América do Norte. Na última reunião de cúpula, realizada entre os dias 9 e 11 de julho em Washington, capital estadunidense, várias decisões foram tomadas que mostram um caráter expansionista e ameaçador. Entre outras coisas, o bloco promete atrair sócios no Oceano Pacífico para pressionar a República Popular da China e uma atenção especial ao “terrorismo” no Sahel, região saariana da África do Norte rica em materiais estratégicos.
A referência ao Sahel é extremamente interessante. A região é grande produtora de minérios estratégicos, principalmente urânio, indispensáveis ao esforço energético da Europa, no entanto, sofre ameaças jihadistas. Para garantir os interesses ocidentais, em 2020, a OTAN deu apoio francês e estadunidense a Coligação para o Sahel, um grupo de cinco países formado por Burkina Faso, Chade, Mali, Mauritânia e Niger. Tropas da Legião Estrangeira e forças especiais norte-americanas foram estacionadas para dar apoio aos governos locais.
Entre 2022 e 2023, militares nacionalistas derrubaram governantes ligados aos Estados Unidos e à França em Burkina Faso, Mali e Niger e abandonaram a coligação, criando um novo mecanismo trinacional, a Aliança de Defesa do Sahel. O novo bloco denunciou o que batizou de neocolonialismo, expulsou as forças ocidentais e buscou apoio militar junto à Rússia e à Turquia. Desta forma, a menção da OTAN à região deixa implícita uma ameaça futura de intervenção.
Quebra de promessas
As intervenções da OTAN ao longo de 75 anos deixaram uma trilha de destruição. Na Líbia, a derrubada de Muammar Ghadafi resultou na volta dos mercados de escravos e na destruição da infraestrutura do país, considerada modelo. Grupos étnicos se levantaram e a desagregação política ameaça desintegrar a nação. Na Europa, a criação de Kosovo resultou em um foco de crimes transnacionais como o tráfico de drogas e de seres humanos. Poderíamos colocar nesta lista outras calamidades como o Afeganistão e a Síria. Em suma, uma trilha de destruição por onde passa.
Este processo se inicia com o presidente norte-americano Bill Clinton ao final da década de 1990. Ele rompe um acordo verbal acordado entre o ex-presidentes dos Estados Unidos, Ronald Reagan, e da União Soviética, Mikhail Gorbachev, de que a Aliança Atlântica não se estenderia além dos limites entre a República Federal da Alemanha (Ocidental, capitalista) e a República Democrática Alemã (Oriental, socialista).
Clinton amplia a aliança rumo à Federação Russa, sucessora da União Soviética. Em 2002 George W. Bush assume a Casa Branca e rejeita um pedido formal de Moscou, firmado por Vladimir Putin, para aderir a OTAN. A partir deste momento, os Estados Unidos patrocinam revoluções coloridas e golpes de Estado ao longo da fronteira com a Rússia. Este esforço funcionou na Moldova, fracassou em Belarus e resultou em um conflito étnico na Ucrânia a partir da chamada Revolução de Maidan, em 2013, financiada e apoiada por Barack Obama (leia mais aqui).
A intervenção na Ucrânia, com a derrubada do presidente, democraticamente eleito, Viktor Yanukovich, resultou em um esforço de limpeza étnica contra as regiões russófonas do sul do país, em Donbass, que se revoltaram contra o governo central e criaram as repúbicas de Donetsk e Lugansk. A OTAN apoiou a ação e forneceu treinamento e armas para as forças armadas ucranianas em um esforço para trazê-las para o bloco em um futuro próximo. Em 2021, a Federação Russa deixou clara sua insatisfação com a situação e interveio em fevereiro de 2022, quando 200 mil soldados ucranianos se preparavam para impor uma solução final com a destruição das repúblicas rebeldes.
Os países da União Europeia, os Estados Unidos e o Canadá impuseram milhares de sanções comerciais à Rússia (que a bem da verdade causaram mais danos à economia europeia que a Moscou). Além disto, o fornecimento de material militar à Ucrânia mostrou que a capacidade industrial da Aliança Atlântica é insuficiente para suprir um conflito moderno. A ajuda é insuficiente e o atual chefe de Estado ucraniano, Volodimir Zelenski, ressalta isto em cada entrevista à imprensa internacional.
Rumo à Ásia
Com base nas decisões da Cúpula da OTAN de 2023, em Vilnius, os líderes da Aliança em Washington prometeram avançar na implantação de novos planos de defesa que incluem a Austrália, o Japão, a Nova Zelândia e a República da Coreia. A decisão mostra que o bloco pretende formalizar uma ação contra a República Popular da China. O objetivo, neste caso, é impedir o crescimento econômico de Beijing e a expansão do BRICS + — grupo formado inicialmente por Brasil, Rússia, Índia, China e África do Sul, recentemente ampliado por Arábia Saudita, Egito, Emirados Árabes Unidos, Etiópia e Irã (leia mais aqui).
A República Popular da China expandiu seu esforço de criar um elo entre Ocidente e Oriente por meio da iniciativa de criar o equivalente moderno da Rota da Seda. Criada pelo presidente Xi Jinping, a proposta visa criar corredores ferroviários, rodoviários e marítimos entre a Ásia e a Europa, agilizando o fluxo de comércio global. A ideia, inclusiva, é expandir o projeto para a África e a América Latina (leia mais aqui).
Contra este projeto econômico, a OTAN responde, graças à influência americana, com um projeto de aliança militar. A nova proposta esbarra em fatores históricos. A República da Coreia vê com desconfiança o processo de rearmamento do Japão, que ocupou o país entre 1910 e 1945 e executou uma política colonial extremamente desumana. Em suma: há conversa possível com Austrália e Nova Zelândia, mas há resistência com a participação dos japoneses. Os coreanos, inclusive, mantêm relações cordiais com a China.
Gastos militares
A Aliança Atlântica aumentou seus gastos em novos contratos cruciais de defesa, assim como em pesquisa e desenvolvimento. Quando o governo Biden-Harris tomou posse, apenas nove Aliados cumpriram os compromissos de investimento em defesa acordados em Vilnius de gastar pelo menos 2% do PIB em defesa. Vinte e três países cumprem ou excedem agora o compromisso de despesas com defesa.
Este é considerado um avanço pela OTAN em relação a 2014, quando apenas três aliados gastavam 2% do PIB em defesa, mas há dois aspectos a avaliar: o primeiro é de que estes recursos não seriam necessários se não houvesse um golpe de Estado na Ucrânia; o segundo é que este investimento desvia recursos da economia civil europeia, seriamente afetada pelo aumento dos gastos energéticos causados pelo conflito (leia mais aqui).
O maior beneficiário com o aumento dos gastos com defesa, com contratos no valor de US$ 10 bilhões para a produção de armas, são os Estados Unidos, que comemoram a criação de novos empregos. O mito de que a OTAN é uma aliança defensiva caiu por terra. Ela avança sobre a área de influência de outros países, destrói nações e pretende manter a ordem colonial criada no século 19 por meio do roubo de matérias-primas. Seu novo alvo é a Ásia contra um projeto desenvolvimentista que visa beneficiar a humanidade. Resta saber até quando esta farsa será levada adiante.

